Os encontros de Pedrinho com Tereza davam-se no Jardim antigo ao lado da igreja matriz. Se o banco onde sentavam agora era outro, pelo menos ficava no mesmo local, é verdade que o coreto do meio desaparecera, lá havia, agora, um canteiro de Flamboyants entremeados de rosas vermelhas.
O primeiro encontro dele com Naína
dera-se também ali, havia quinze anos, justamente numa noite fria de junho; olhava
para as moças passando ao redor, umas com blusas de lã; música de alto-falante
chegando do cinema em frente, ruídos de carros passando. O cinema não existia
mais, substituído por um edifício de oito andares iluminado, vidraças em cores,
uma sorveteria embaixo, antenas na cobertura.
Naína fora embora para o Rio,
tanto tempo, quase morta para os sentidos dele lembrando assim por acaso, sem
reagir, sem nenhuma emoção. Certo que a momentos, uma vez por outra , os
cabelos de Naína apareciam-lhe jogados para um lado, para outro; os pés dela,
numas sandálias de tirinhas, surgiam como sombra, às vezes um sobre o outro, descruzando-se
depois, sutis, brancos, unhas pintadas de vermelho; tudo como imagem surgindo
de susto , sumindo num instante; as mãos franzinas, uma volta de ouro reluzindo
pendurada no pescoço, com um crucifixo na ponta. Gostava do perfume discreto
das mãos de Naína, do cabelo para um lado, para o outro. Timidamente apalpara
os seios dela robustos e firme, macios, antes lhe havia beijado a boca, de
leve, sem agressividade. Naína não era uma moça qualquer, gente de boa família,
educada no melhor colégio do lugar. Lembrava do casamento na igreja iluminada
cheia de corbelhas, de imagens cor de ouro, Naína levantava-se cedo, tomava
banho frio, maquiava-se frente ao espelho do quarto, cabelo ainda umedecido, bonita
de batom, bem penteada; saía às oito para o trabalho num escritório de uma
empresa de transportes aéreos. Cinco anos depois veio a separação. Nem um filho.
Pensando nessas coisas, Pedrinho
saiu para encontrar-se com Tereza. E se em lugar dela encontrasse Naína! “Besteira”,
retorquiu a si mesmo. Chegou meia hora antes do horário costumeiro, olhou para
o céu, nem uma estrela aparecendo; vento brando e frio circulava. “Se Naína
aparecesse agora!”
Sentou-se no banco bem no meio do
Jardim, ajeitando a meia de um pé, olhou à toa para os flamboyants, para as
rosas vermelhas no lugar onde foram o coreto. Era ali que Naína chegava
introspectiva, discreta, como quem não deseja; ele suspirava, feliz. Naína
estaria mais velha? Talvez nem tanto. O cabelo de Tereza era preso com uma
argola de plástico azul, jogado para trás, sem pender para um lado, para o outro;
as mãos dela não eram perfumadas; as unhas, sem esmaltes, curtas; os pés
escondidos numas sapatilhas fechadas com fivelas douradas dos lados. Chegava a
mão para as mãos de Naína postas sobre os joelhos; lembrou do primeiro beijo,
olhou para o edifício de oito andares, colorido, uma sorveteria em baixo. As
mãos de Tereza estavam sem nenhum perfume exalando; ela abriu a mão,
lentamente, ajeitou-a à dele, cruzaram os dedos. “Vamos reconciliar?” Sentiu Naína
dizer assim dentro de seu juízo. Ele disse que sim, no íntimo, sem falar,
apertando as mãos de Tereza, frias, não por nenhum susto, mas pelo vento
gelando; não pelas rugas que imaginara no rosto de Naína falando dentro de sua
cabeça , baixinho; julgava sentir o perfume antigo saindo das mãos, das unhas
de pontinhas bem feitas pintadas de esmalte brilhante. A boca de Tereza estaria
úmida e morna? Tentaria senti-la, de leve, mordendo os lábios sutilmente,
sugando a ponta da língua. Mas a boca de Tereza estaria fria e seca, nem se
abria um segundo, trancada, os lábios enxutos.
Toda boquinha de noite, quando saía
do escritório, Pedrinho sentava-se no banco do meio do Jardim para esperar Tereza;
agora, não sabia por que, lembrava de Naína, das mãos dela perfumadas, de seus
lábios molhados, do cabelo jogado para um lado, para o outro; dos pés, das
sandálias de tirinhas. Ela estaria envelhecida? ‘Dez anos!” As brigas , o
ciúme, as dúvidas.
Havia-se acostumado com a
ausência dela, o hábito agora era o de sentar-se no banco do meio do Jardim que
não tinha mais o coreto onde agora estavam os flamboyants entremeados de rosas
vermelhas. Ao anoitecer encontrava-se com Tereza de cabelo dourado, os pés
escondidos nas sapatilhas com fivelas cor de bronze dos lados, a boca trancada,
os lábios secos.
(LINHAS INTERCALADAS – 2ª Edição
2004)
Ariston Caldas
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Ariston
Caldas nasceu em Inhambupe, norte da Bahia, em 15 de dezembro de
1923. Ainda menino, veio para o Sul do estado, primeiro Uruçuca, depois
Itabuna. Em 1970 se mudou para Salvador onde residiu por 12 anos. Jornalista de
profissão, Ariston trabalhou nos jornais A Tarde, Tribuna da Bahia e
Jornal da Bahia e fundou o periódico ‘Terra Nossa’, da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia; em Itabuna foi redator
da Folha do Cacau, Tribuna do Cacau, Diário de Itabuna, dentre outros. Foi
também diretor da Rádio Jornal.
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