Com sua
voz calma, despretensiosa, conta-me que mora em Hollywood e que nunca vai a
festas.
- Minha
vida não é nada sensacional. Sou um tipo muito quieto. Acredita que não sei
onde fica o Ciro’s?
Trabalha
para a Metro-Goldwyn-Mayer, escreve cenários, transforma os romances alheios
e os seus próprios em scripts de cinema e adora a atividade dos estúdios.
- Fico
horas olhando aquela gente trabalhar. Não conheço nada mais absorvente que a
tarefa de um diretor. Ele lida com um material vivo, com pessoas e não com
palavras, como nós os escritores. – e sorrindo, as mãos enfiadas nos bolsos,
acrescenta: - Acho que um dia ainda vou dirigir um filme.
Peço-lhe que me conte como iniciou sua
carreira literária.
- Comecei
num jornal, fazendo reportagens e, mais tarde, crítica literária.
- Em que
jornal?
- No Daily
Telegraph. Lia uns vinte romances por semana...
- Já
escrevia novelas nesse tempo?
- Escrevia
e, o que é pior, publiquei uma quando tinha 19 anos. No momento em que cheguei
a perceber a asneira que tinha cometido, saí a comprar todos os exemplares do
livro que existiam no mercado. Era uma novela horrorosa. E não foi a única... -
acrescenta. - Muitos de meus primeiros livros foram verdadeiros fracassos. Aconteceu
apenas que, no fim de algum tempo, eram tantos que eu não tive mais dinheiro
suficiente para resgatá-los.
Pergunto-lhe
se escreve sistematicamente ou espera que lhe venha o que em geral se chama “inspiração”.
Ele leva a mão à gravata desbotada e diz:
- Eu
escrevo só quando tenho vontade... Nada mais.
- Pareceu-lhe
satisfatória a versão cinematográfica de Adeus, Mr. Chips?
- Quando
me propuseram filmar o livro, achei que ele não daria coisa que prestasse. Mas,
quando vi o filme, gostei tanto que fiquei alvorotado. É verdade que nunca
imaginei o velho Chips no Danúbio...Mas apesar disso, tudo estava muito bem.
- Inspirou-se
em alguma pessoa viva para criar a figura de Mr. Chips?
James Hilton
entorna a cabeça, ergue as sobrancelhas e responde, com ar meio vago:
- Numa
pessoa propriamente... não. Mas em várias professores que conheci. Sempre tive
uma simpatia especial pelos velhos mestres. O mundo depende muito dos professores...
hoje mais que nunca. Meu pai mesmo é um professor, se bem que muito diferente de
Chips. Mora em Hollywood comigo. Como eu, é um homem caseiro.
Quanto ao
método que segue na composição dos romances, informa:
- Às vezes
escrevo uma sinopse que, de tão simples e resumida chega a ser ridícula. Mas o
principal para se fazer o romance é, primeiro, a ideia central, depois, a
disposição de espírito. O resto vem mais tarde, naturalmente.
- No seu
último livro, Random Harvest, julguei ver no destino da personagem central uma
alusão à Inglaterra. Pareceu-me que Rainier é uma espécie de símbolo, é a velha
Britânia trilhando um caminho errado, mas percebendo em tempo o seu erro e
recuperando o antigo espírito. Será que acertei?
- Perfeitamente.
Alegro-me de ver que compreendeu. Foi o que eu quis dizer nesse romance. Não
gosto dos livros com finalidade, das obras de propaganda. A simbologia no meu
último romance está diluída na história.
Para
Hilton, o maior de todos os romancistas que o mundo produziu foi Destoievsky.
Na América, hesita entre Ernest Hemingway e John Steinbeck. Tem um encanto
especial pelas irmãs Bronté e acha “O Morro dos Ventos Uivantes” um dos mais
belos romances que já se escreveram.
Com
relação às personagens de seus livros, nega que elas sejam copiadas da vida. Mas
esclarece:
- Não
podemos, entretanto, deixar de sofrer a influência das pessoas que encontramos,
das criaturas com quem vivemos.
- Onde
descobriu o nome Xangri-lá, o Paraíso do seu Horizonte Perdido?
- Pura
invenção. Inventei-o numa viagem de ônibus. Eu estava procurando um lugar pano
situar o meu “paraíso”. Pensei na Arábia: era muito arenosa. Pensei no Brasil: tinha
muitas tarântulas...
- Não
esperava encontrá-lo também influenciado pelas “fórmulas” segundo as quais o
Brasil é um país de palmeiras, índios, florestas e tarântulas... Mas prossiga.
- Sorry. A
gente ignora muita coisa. E a propósito de suscetibilidade vou lhe contar uma
dificuldade de Hollywood. Por causa da política de boa vizinhança os “homens
maus” dos filmes não podem nunca ser brasileiros, peruanos, mexicanos,
argentinos. Têm que ser necessariamente norte-americanos... ou ingleses.
- Mas...
voltando às tarântulas.
- Ah...
Por fim achei que o melhor lugar para o teatro da minha história era um
monastério dos lamas no Tibete. Inventei aquele nome. E sabe qual é a minha
maior glória?
- Não.
- Existe
em Los Angeles um campo de nudistas chamado Xangri-lá. Não é só isso. Xangri-lá
também é o nome do uma tenda que vende cachorros quentes nos arredores de
Hollywood.
Passamos a
falar na guerra. James Hilton tem uma fé inabalável na Inglaterra. E que ele
está convencido de que sua pátria se tem de redimir dos erros do passado, o seu
“Random Havest” é uma prova admirável. Declara-me que está pronto a servir, e
que seu nome se acha na lista dos combatentes.
- Não sei
em que departamento me vão por, quando me chamarem. Mas já ofereci meus
serviços. Penso que serei mais útil no trabalho de propaganda.
Acrescenta
que os amigos da Inglaterra que lhe escrevem, esperam com coragem e Fortaleza
de ânimo o ataque que pode ser desfechado sobre a ilha a qualquer instante.
Quando nos
despedimos com um aperto de mão James Hilton me diz:
- Dentro
de duas semanas estarei em Hollywood. Quando chegar lá, não deixe de telefonar
para o estúdio. Vamos almoçar um dia juntos.
E,
parodiando a personagem da história de Mr. Chips, volto-me da porta e lhe digo:
- Adeus, Mr.
Hilton!
(GATO PRETO EM CAMPO DE NEVE)
Érico Veríssimo
.........
Érico Veríssimo - (Cruz Alta, 17
de dezembro de 1905 — Porto
Alegre, 28 de novembro de 1975) foi um dos escritores brasileiros mais
populares do século XX.
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