Em Pequim,
Fan Weixin, tradutor para o chinês de livros de língua portuguesa, de
brasileiros traduziu José de Alencar e Herberto Salles, traz-me exemplar de
tradução de Dona Flor e seus dois maridos, edição modesta, porém decente, Fan
está contente com a repercussão do romance da moça baiana.
Folheio o
volume, relembro cenas de amor, dona Flor e Vadinho, os dois na cama, a
rosa-chá e a pimenta malagueta, desconfiado pergunto a Fan Weixin:
- Como traduziste
as patifarias de Vadinho?
Os lábios
do tradutor abrem-se num sorriso malandro, quase brasileiro:
- Ao pé da
letra.
No fim
desse mesmo ano hospedamos na casa do Rio vermelho um jovem casal de amigos
chineses. Ele é Ho-Ping, filho de Eva e Emi Siao (Siao Sam), Eva fotógrafa alemã,
Emi um dos poetas mais famosos da China, foi íntimo amigo de Maiakowski*,
deputado, biógrafo de Mao, durante vários anos representante da China no
secretariado do Conselho Mundial da Paz, na Tchecoslováquia. Ho-Ping, dito
Pupsik, nasceu em praga, alguns meses antes de Paloma: pais bobocas,
inventávamos no Castelo dos Escritores* futuro noivado entre os dois infantes.
Eva e Emi regressaram à China, gramaram dezesseis anos de prisão durante a mal
denominada Revolução Cultural, Emi saiu da cadeia muito enfermo, logo faleceu.
Ela é
Ting-Li, esposa de Ho-Ping, filha de Liu Chao Shi, que foi Presidente da
República Popular da China, Secretário-Geral do Partido Comunista, liquidado politicamente
e assassinado durante os anos infelizes do domínio da Banda dos Quatro – os assassinos
inventaram que Liu Chao Shi morrera num desastre de avião.
Jovem
casal encantador, trocam pernas nas ruas da Bahia, adoram a cidade, o casario, a
culinária, os mercados, o povo alegre cordial. Nos intervalos dos passeios, no
Jardim da casa do Rio Vermelho, Ting Li lê Dona Flor e seus dois maridos em
chinês e em inglês. Pergunto e o que acha das duas traduções. Pensa um pouco, responde:
- Ambas são
boas, gostei das duas. Em inglês a história é mais picante, em chinês é mais
romântica. Para você ter uma ideia dá singularidade de cada uma: em chinês dona
Flor chama Vadinho de volta com o coração, em inglês ela o chama com aquilo o
que tem debaixo das calcinhas.
- E como se
diz em chinês aquilo o que ela tem debaixo das calcinhas?
Tim lê sorri,
encabulada, pronuncia uma palavra, soou-me linda, um trino de pássaro, me
esqueci, que pena.
*Maiakowski (18903/1930, poeta soviético.
**Castelo de Dobris, perto de Praga, onde J.A. viveu com a
família de 1950 a 1952.
(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado
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“Nenhum de
meus detratores, esses tantos que não perdem vaza para dizer mal de mim, sabichões
cuja missão crítica é negar qualquer valor a meus livros, nenhum deles conhece
tão bem minhas limitações de escritor quanto eu próprio, deles tenho plena
consciência, não permito que me iludam os oropéis e os confetes.
Sei
também, de ciência certa, existir nas páginas que escrevi, nas criaturas que
criei, algo imperecível: o sopro de vida do povo brasileiro. Não carrego
vaidade, presunção, e sim, orgulho.”
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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da
ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido
pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os
Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.
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