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sábado, 3 de agosto de 2019

10 DE AGOSTO: DIA DE JORGE AMADO – A rede de casal


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(São João de Meriti, 1946 – a rede de casal)


            A casa simples e agradável, situava-se no alto de pequena colina, a chácara toda media vinte e um mil metros quadrados cobertos por oitocentas laranjeiras. Pés de toranjas de duas ou três variedades, limeiras, limoeiros, pés de fruta-pão, sapotizeiros, goiabeiras, mangueiras, mamoeiros completavam o pomar. Uma louca criação de aves – galinhas de raças, patuassus, gansos, marrecos – animava o Peji de Oxóssi, nosso esconderijo, situado entre Caxias e São João de Meriti, no estado do Rio. Nele Zélia e eu curtimos enfim nossa lua-de-mel.

            Vivíamos juntos desde julho de 1945, mas não nos sobrava tempo para namorar tanto quanto desejaríamos: eu dirigia o cotidiano Paulista do Partido Comunista, o Hoje, tarefa que tomava a maior parte de meu tempo, Zélia se revelara imbatível ativista da Comissão de Finanças. Como se fosse pouco, a campanha eleitoral começara. Candidato a deputado federal, eu saía nos fins de tarde para comícios noturnos no interior, chegava pela madrugada. Resolvemos transferir a lua-de-mel para depois das eleições. 

            As eleições realizaram-se em novembro, deputado eleito deixei com a direção do partido minha carta de renúncia, partimos de viagem eu e Zélia. Viagem de núpcias, já era tempo.

            Apenas começávamos a sentir o sabor da lua de mel, passáramos alguns dias no Rio Grande do Sul, na chácara de Henrique Sclair, estávamos no Uruguai, devíamos ir a Buenos Aires, quando chegou o telegrama urgente de Prestes reclamando minha presença no Rio daí a três dias. comuna enquadrado, tomei o primeiro avião para o Brasil, Zélia comigo, ansioso para saber o motivo da intempestiva convocação.  

            Outro não era que o de tomar posse da cadeira de deputado. Ora, eu condicionara a aceitação de minha candidatura - escritor já bastante popular, meu nome traria votos para a legenda do Partido – à garantia de que, se eleito, renunciaria ao mandato dando lugar a convocação do suplente. queria retornar a meu trabalho literário, já bastante comprometido pela atividade de militante. Recordei a Prestes o compromisso assumido pela direção. Antes de viajar entrega a Arruda Câmara o documento de renúncia. Prestes estava a par, salientou que fora ele quem levara a direção a admitir a minha exigência  - podia um militante por acaso fazer naquele então qualquer exigência, justa, mínima, fosse qual fosse, ao Partido? Por isso mesmo sentia-se no direito de apelar para minha consciência de comunista responsável: que iriam dizer aqueles eleitores que tinham votado em mim, sobretudo os não comunistas, se eu não assumisse? Iriam acusar o Partido de ter usado meu nome para obter votos, é estratagema sujo, malandragem, os inimigos se aproveitariam para fazer a maior exploração e por aí afora, aquela argumentação. Propôs-me assumir o mandato por três meses e então efetivar a renúncia. Três meses, nem um dia a mais, assegurou-me Prestes.

            Resolvemos não alugar apartamento no Rio onde certamente o Partido me sobrecarregaria de tarefas, além das decorrentes do trabalho parlamentar, e ocuparia o tempo de Zélia, a Comissão Nacional de Finanças ameaçava requisitá-la. Na intenção de escrever um romance já amadurecido na cabeça, Seara Vermelha, preferi ficar o mais longe possível do Comité Central. Assim adquirimos o sítio de Laranjeiras e nele vivemos durante ano e meio: um caseiro bastava para cuidar das plantações e das aves: as aves merecem capítulo à parte. Nina, sua filha, se ocupava da casa.

            O casal húngaro que plantara o terreno e elevara a casa tinha o gosto europeu do conforto e, ao lado da vivenda, à sombra das árvores, construíra uma espécie de pátio, local de lazer, sítio de repouso. Enredadeiras subiam pelos pilares de alvenaria, flores explodiam em cada recanto, mesa rústica onde pousar pratos e copos, garrafas, sobre as lajes do chão espreguiçadeiras estendidas, penduradas dos galhos das mangueiras redes cearenses, brancas e amplas, de varandas bordadas, redes de casal. Assim era o Peji de Oxóssi, pequeno paraíso.

            Ali transamos, indóceis, adoidados, nossa tão adiada lua de mel. Zélia parecia uma menina; o alemão, nosso vizinho, pensava que ela fosse minha filha, aliás passei a vida ouvindo a mesma repetida pergunta sobre Zélia: é sua filha?

            Acordava cedíssimo, trabalhava no romance boa parte da manhã, por vezes a ele voltava à noite - ah, o bom tempo em que varava a noite batucando na máquina cenas e capítulos. Após o almoço, às treze horas, tomava um carro de aluguel, contratado por mês para me levar e trazer do Peji a Caxias  - os dez por cento dos proventos de deputado que o Partido me deixava davam exatos para pagar esta condução: eu devia viver de meus direitos autorais, segundo  a direção. Em Caxias embarcava no ônibus que me depositava na Praça Mauá, daí trotava até o Palácio Tiradentes onde funcionava a Assembleia Nacional Constituinte formada pela Câmara e pelo Senado reunidos. A sessão começava às quatorze horas, eu assistia, participava - extremamente ativo na Comissão de Educação e Cultura -, quando os trabalhos se encerravam fazia o caminho de volta, em geral chegava em casa entre sete e oito horas da noite. Por vezes, em dias de sessão noturna, não tinha hora de chegar.

            Terminado o jantar Zélia e eu costumávamos descansar no pátio onde corria a brisa, eu lhe contava os acontecidos do dia, ela ouvia ávida por detalhes sobre a atuação da bancada comunista - a primeira num parlamento brasileiro. Por vezes adormecíamos no embalo da rede. Numa daquelas redes cearenses, de casal, João Jorge foi feito, em noite de lua cheia, a luz das estrelas e ao ruído dos grilos.

(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado
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(Bahia, 1990 – o porquê das coisas)

            “Meu neto Jorginho, filho de Rízia,
aquela mãe!, caçula de João Jorge, às vésperas de
completar seis anos, constata a coincidência
de nomes, parece-lhe estranha, me interpela no desejo
de entender o porquê:

            - Vô, você também se chama Jorge – como eu?
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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.


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