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domingo, 4 de agosto de 2019

10 DE AGOSTO: DIA DE JORGE AMADO – Paloma


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(Paris, 1949 – paloma)


            De ministério em ministério, de repartição em repartição, acompanho Pablo Picasso pelas ruas de Paris, no esforço para resolver o problema da estada de Pablo Neruda na França. Trotávamos de déu em déu, o dia é especial para o pintor: Françoise, sua mulher, fora para o hospital com dores de parto. Ele desejava menina, se chamaria Paloma: a Paloma da paz, desenho de Picasso, cobre os muros da cidade na propaganda do I Congresso Mundial dos Partidários da Paz que vai se iniciar no dia seguinte na sala Pleyel.

           Neruda desembarcara em Paris uma semana antes, habilitado com passaporte falso o que o identificava cidadão guatemalteco don Antônio dos anzóis carapuça, de bastos bigodes, adido cultural, qualquer coisa assim. O passaporte lhe fora fornecido por Miguel Anjel Asturias, embaixador da Guatemala na Argentina que, ao atender à necessidade do amigo, punha em jogo o cargo e a carreira. Não hesitara um minuto quando Pablo, fugitivo do Chile onde havia sido expulso do Senado, lhe colocara o problema.

            A princípio conhecida apenas por mim e por Alfredo Varela  - o romancista de El Rio Oscuro, dirigente do pecê argentino  -, por Laurent Casanova  responsável no Bureau Político do pecê francês pelos problemas culturais e pelo movimento da paz, por Louis Aragon e François Leclerc em cujo apartamento estava hospedado, a presença do poeta, secretíssima, logo se tornou segredo de polichinelo. A comitiva de admiradores engordava a cada dia com a chegada para o Congresso de intelectuais latino-americanos: Juan Marinello, Nicholás Guillén, Miguel Otero Silva, Alfredo Gravina, o pintor Venturelli. Passaporte ilegal, Pablo estava impedido de participar do conclave e corria o risco de ser detido e posto fora da França a qualquer momento.

          De autoridade a autoridade, Picasso encaminha a solução, eu o acompanho, sou de pouca ajuda, mas faço-lhe companhia. De meia em meia hora entramos num bistrô, Picasso telefona para o hospital, pede notícias da parturiente, fica sabendo que Françoise ainda não deu à luz. Numa dessas vezes, porém, a pergunta é acolhida com hosanas: nascera a menina Paloma, a mãe passa bem, Picasso exulta.

            Ora, o problema de Neruda, àquela hora, estava praticamente resolvido, restavam detalhes finais, deles eu poderia me encarregar sozinho. Vai ver tua filha e tua mulher, propus, Picasso recusou: só quando terminar. O Ministério do Interior e o Quai d’Orsay encontraram por fim  a solução: Pablo deixaria a França de carro, a polícia da fronteira estaria avisada para não criar problema, voltaria assim que tivesse passaporte em ordem.

            Na suíça, onde La Hormiga* o aguardava, um ex-cônsul do Chile, admirador incondicional, prolongara velho passaporte chileno que Delia trouxera de Santiago. O ex-cônsul, aposentado, guardara os timbres e os carimbos, poderiam ser de utilidade um dia, foram. Assim o poeta regressou a Paris não mais na pele de don Antônio dos anzóis carapuça e, sim, na do chileno Naftali Ricardo Reyes, seu nome verdadeiro. Ainda não oficializara o pseudônimo, o que fez quando retornou ao Chile: nem Antônio dos bigodes, nem Naftali Reyes, para sempre Pablo Neruda, poeta e militante.

            Picasso cuidou do caso até vê-lo completamente resolvido, me encarreguei da viagem, designei guarda-costas, dois jovens comunas brasileiros no gozo de bolsas de estudo em Paris, Paulo Rodrigues e Alberto Castiel, levaram o bigodudo don Antônio à Suíça, trouxeram Delia e Pablo para a França, ele de passaporte legal e sem bigodes.

            De volta ao hotel contei a Zélia as andanças do dia, os telefonemas de Picasso para o hospital, o nascimento de Paloma.

            - Se um dia tivermos uma filha ela se chamará Paloma - Decide Zélia, arrebatada.

            O caso se deu em 1949, nossa Paloma nasceu e 1951. Até parece de propósito, a sementinha foi posta em Varsóvia durante o II Congresso Mundial dos Partidários da Paz, a paloma de Picasso nos muros da cidade, inspiradora.


* La Hormiga, apelido de Delia del Carril, na época mulher de Neruda.

(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado
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            “Nada mais cansativo, mais estafante, mais terrível do que as reuniões ditas sociais, coquetéis, recepções, jantares, festinhas, outras chatices semelhantes.
             A obrigação de ser inteligente, os convidados esperando as frases de efeito, a profundeza, o brilho do escritor: é de lascar. Fico apavorado se não tenho jeito de escapar, como ser inteligente ao fim da tarde ou na mesa de jantar de cerimônia, com gravata e paletó? Emburreço por completo, dá-me aquela inibição, emudeço, perco o dom da fala, ainda mais parvo do que no dia-a-dia.”

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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.

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