Anúncio do Evangelho (Jo 10,27-30)
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
João.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, disse Jesus: "As minhas ovelhas
escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. Eu dou-lhes a vida
eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão.
Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém
pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um”.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.
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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. André
Teles:
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Uma voz que move
“As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço
e elas me seguem” (Jo 10,27)
Todo quarto domingo de Páscoa é dedicado ao tema do “Bom
Pastor”; a liturgia não apresenta outros relatos de aparições, mas continuamos
com mais um texto profundamente pascal. No relato deste domingo, a alegoria do
Pastor fala de “escuta”, “conhecimento”, “seguimento” e “vida eterna”, que é a
chave do tempo pascal; ao mesmo tempo, num aprofundamento progressivo, o texto
remete ao Pai e culmina na Unidade, como Fonte de onde tudo procede e para onde
tudo retorna. São estas realidades que nos permitem conectar com o sentido
originário da imagem do Pastor, sem cair na literalidade pastor/ovelhas,
paternalismo/cordeirinho, poder/submissão..., que acabam provocando uma
justificada resistência e rejeição.
Jesus quer estabelecer com seus(suas) amigos(as) uma relação
que seja o reflexo daquela que Ele mesmo tem para com o Pai: uma relação de
pertença recíproca, na confiança plena, na íntima comunhão. Para expressar esta
realidade profunda, esta relação de amizade, Jesus utiliza a imagem do pastor
com suas ovelhas: ele as chama e elas reconhecem sua voz, respondem a seu
chamado e o seguem.
Esta parábola é muito instigante. O mistério da voz é
sugestivo: desde o ventre de nossa mãe aprendemos a reconhecer sua voz e,
quando nascemos, vamos reconhecendo outras vozes. Pelo tom de uma voz
percebemos o amor ou o desprezo, o afeto ou a frieza, a acolhida ou a rejeição.
A voz de Jesus é única! Se aprendemos a distingui-la de outras vozes, Ele nos
guiará pelo caminho da vida, um caminho que supera também o abismo da
morte.
O contexto do relato deste domingo é o embate de Jesus com
as autoridades religiosas judaicas. Depois de dizer que elas não são suas
ovelhas, Jesus descreve com todo detalhe o que significa ser dos seus. Destaca
dois traços, os mais essenciais e imprescindíveis: “Minhas ovelhas escutam
minha voz... e elas me seguem”. Não se trata só de ouvir a Jesus, mas de
escutá-lo. Muitas vezes só ouvimos e aceitamos somente o que está de acordo com
nossos interesses. Escutá-lo significa aproximar-nos sem pré-juízos e acolher o
que Ele nos diz, mesmo que isso implique mudar nossas convicções; escutar é pôr
toda nossa atenção para tratar de compreender.
“E elas me seguem”. Não basta escutar, é preciso colocar-nos
em movimento e entrar na nova dinâmica da vida. Escutar tem ressonância interna
e ativa todas as nossas potencialidades ali presentes. A boa notícia de Jesus
consiste em manifestar que há uma nova maneira de assumir a existência humana,
uma maneira de viver que esteja mais de acordo com as exigências profundas do
nosso ser. Quando alguém é capaz de escutar esse chamado interior e de viver
conforme ele, vive uma existência feliz. Vive de acordo com seu mais íntimo e
esta adequação entre a vida exterior e a vida interior é a felicidade.
Em um mundo onde há tanto ruído, discursos ocos e palavreado
intolerante, não é fácil prestar atenção a alguma voz em especial. O fato é que
às vezes vivemos em bolhas onde raramente entram vozes que nos comovam de
verdade. E, no entanto, debaixo de gritos, ruídos, músicas estridentes,
anúncios, peças publicitárias e frases que apelam ao conservadorismo, continua
brotando palavras cheias de verdade. Palavras que valem a pena escutá-las.
Talvez, detrás de muitos gestos petrificados, palavras sem sentido, falsas
seguranças, estarão vozes que clamam por ajuda, ou simplesmente expressam dor,
desejo de paz, de consolo.
O verdadeiro desafio é aprender a escutar, por debaixo
desses discursos, a palavra profunda, o canto tranquilo ou a voz que põe em
movimento.
Saber escutar o outro é uma simples, mas profunda acolhida
humana; trata-se de um ato de hospitalidade, pois consiste em abrir espaço para
a presença do outro, sem preconceito. Porque quem escuta de verdade recebe toda
palavra como nova e ativa a sensibilidade para deixar-se “tocar” pela voz que
alarga a vida.
Vivemos mergulhados num mundo de vozes; um “vozerio” nos
cerca: vozes que nos levam à morte, vozes que nos chamam à vida; vozes
contaminadas pelo egoísmo, adulteradas pelo medo, deturpadas pela impureza, e
vozes que são o eco do paraíso convidando para a festa, comunicando paz,
convocando à comunhão... É possível que as vozes do egoísmo, do orgulho e da
ambição tentem se disfarçar em voz de Cristo, a fim de arrastar-nos para o
vazio e a ruína. Mas o Pastor verdadeiro não fala por ruídos, e sim pelo
silêncio; não fala pela força dos pulmões, e sim pelo vento suave de seu
Espírito...
Para escutá-la requer-se interioridade e atenção aos sinais
de sua presença: pode ser a voz de um irmão pedindo socorro; pode ser a
linguagem de um acontecimento alegre ou triste; pode ser uma palavra lida ou
proclamada; pode ser uma inspiração misteriosa captada no silêncio...
Na arte do discernimento das vozes, o importante é, através
da escuta interior, perceber de onde vem e para onde nos conduz cada voz que
ressoa em nós. Se ela nos conduz para o outro, para o Reino...é clara
manifestação da voz do Pastor.
Depois de mais vinte séculos, nós seguidores(as) precisamos
recordar de novo que o essencial para ser a Igreja de Jesus é escutar sua voz e
seguir seus passos. Primeiramente, é preciso despertar a capacidade de escutar
Jesus; ativar muito mais em nossas comunidades essa sensibilidade, que está
viva em muitos cristãos simples que sabem captar a Palavra que vem de Jesus em
todo seu dinamismo e sintonizar com sua Boa Notícia de Deus.
Mas não basta escutar sua voz. É necessário seguir a Jesus.
Chegou o momento de decidir-nos entre contentar-nos com uma “religião burguesa”
que tranquiliza as consciências mas afoga nossa alegria, ou aprender a viver a
fé cristã como uma aventura apaixonante de seguir a Jesus. Parece óbvio afirmar
isso: somos seguidores de uma Pessoa (Jesus Cristo) e não seguidores de uma
religião, de uma doutrina, de uma moral... Estas são mediações que deveriam nos
ajudar a crescer na identificação e vida d’Aquele é o Bom Pastor.
A aventura cristã consiste em crer naquilo que Ele
acreditou, dar importância àquilo que Ele deu, defender a causa do ser humano como
Ele a defendeu, aproximar-nos dos indefesos e desvalidos como Ele se fez
presente, ser livres para fazer o bem como Ele, confiar no Pai como Ele confiou
e enfrentar a vida e a morte com a esperança com que Ele enfrentou.
Se, aqueles que vivem perdidos, sozinhos e desorientados
podem encontrar na comunidade cristã um lugar onde se aprende a viver juntos de
maneira mais digna, solidária e libre, seguindo a Jesus, a Igreja estará
oferecendo ao mundo de hoje um de seus melhores serviços.
Texto bíblico: Jo 10,27-30
Na oração: minha voz, está a serviço de quem? Da vida
ou da morte? Como ela se expressa: com intolerância, julgamento, preconceito?
Sou canal através do qual a Voz de Vida chega até os últimos..., ou coloco
minha voz à disposição daqueles que estão a serviço da violência e da morte?
Sei distinguir as diferentes vozes que se fazem ouvir ao meu redor? Purifico
minha voz no fogo do silêncio ou ela é expressão do ruído da
superficialidade?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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