Ora, direis, ouvir histórias... mas é o que proponho neste
mês que celebra o livro infantil. Internacionalmente, pelo aniversário de
Andersen dia 2. No Brasil, porque Monteiro Lobato nasceu a 18 de abril.
Narrativas falsas criam fake news, espalhando mentiras como
se fossem reais. Mas o que vale é o contrário: a ficção que finge ser mentira
para revelar a verdade.
Há poucos dias, um deputado leitor disse que a prioridade do
MEC vinha sendo lutar contra moinhos de vento. Outro viu que o ministro estava
no bico do corvo.
Os bons livros lidos desde cedo abrem o pensamento para
julgar melhor. Sejam originais ou recontos de clássicos. Sobretudo se chegam
pelas mãos de adultos capazes de orientar uma leitura crítica e fecunda.
Referências para toda a vida. Ajudam a se mover entre mentirosos como
Alexandre, o Barão de Munchausen ou Pinóquio, sabendo em cada caso do que se
deve rir ou ter pena. E aquilo que não dá para engolir, como faz o menino que
anuncia que o rei está nu, e espertalhões querem enganar todo o reino.
O convívio com a leitura de ficção deixa marcas. Indaga
“Para que essa boca tão grande?” Mostra que um dia mudará a resposta do espelho
à pergunta de quem é a mais bela de todas. Ensina que há um limite além do qual
a carruagem suntuosa volta a ser abóbora cercada de ratos. E que quem finge ser
Robin Hood pode apenas estar deslumbrado com as riquezas da caverna de Ali
Babá.
Leitores de histórias sabem que há tesouros a descobrir num
texto, mais camadas do que as exigidas pela simples reação imediata de um
clique. Já encontraram Alice sem rumo, sem saber para onde ir, mas capaz de
enfrentar uma Rainha de Copas que insistia em mandar cortar cabeças a torto e a
direito, dando primeiro a sentença e só depois levando a julgamento. Entre os
contemporâneos, deliciam-se com Ruth Rocha, seu “Reizinho mandão” e seu “Rei
que não sabia de nada” — para não falar em sua “História de rabos presos”.
Nada como boas histórias para expor fábulas, mitos e lendas.
O Globo, 15/04/2019
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Ana Maria Machado - Sexta ocupante da Cadeira nº 1 da ABL,
eleita em 24 de abril de 2003, na sucessão de Evandro Lins e Silva e recebida
em 29 de agosto de 2003 pelo acadêmico Tarcísio Padilha. Presidiu a Academia
Brasileira de Letras em 2012 e 2013.
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