21 de março de 2019
Péricles Capanema
Guerra se vence com soldados, canhões, estratégia, boas
alianças, propaganda, dinheiro. Repito aqui constatações conhecidas da
sabedoria convencional. Sob outro ângulo, no período da descolonização (o
pós-guerra) apareceu o dito: “A guerra nas colônias se ganha nas
metrópoles”. Não era só aquilo posto acima, havia mais. De outro modo, em
muitas ocasiões a guerra se vence sobretudo nos embates da opinião pública.
Assim foi com os Estados Unidos, perderam a guerra do Vietnam nas suas grandes
cidades. De quase nada adiantou o poderio técnico e o heroísmo dos soldados nos
campos de batalha do sudeste asiático. Assim foi com a França. Assim foi com a
Inglaterra.
Napoleão Bonaparte punha outro fator na dianteira: “Raramente
tirei a espada, porque ganhava as batalhas com os olhos e não com minhas armas”.
Era a presença do Corso, e nela o olhar, galvanizando as energias dos batalhões
que então se lançavam com frequência irresistivelmente ao ataque. Mudou a
história da Europa, até do mundo. Em geral para o mal, infelizmente.
Sun Tzu, quatro séculos antes de Cristo, ensinou em “A Arte
da Guerra”: “Os que conseguem que se rendam impotentes os exércitos
inimigos sem lutar, são os melhores mestres da arte da guerra. Um verdadeiro
mestre das artes marciais vence forças inimigas sem batalha, conquista cidades
sem assediá-las. A vitória completa se produz quando o exército não luta, a
cidade não é assediada”. Curto, a guerra se ganha ou se perde no dinamismo das
convicções e propensões interiores, antes que nas armas.
Presenciei fato que tem analogias com as realidades acima
ventiladas. Foi há uns 15 anos em sala festiva; não darei os nomes, pois as
pessoas estão por aí. Era comemoração, sentava-me distraído atrás de um
ex-presidente da República e de seu antigo ministro da Justiça. Falava o homenageado,
episódios da vida na empresa, plateia entretida. O antigo ministro da Justiça
sussurrou nos ouvidos do ex-presidente: “Está explicado o sucesso da
construtora, o homem tem estilo”. Para o político ladino, o grande êxito do
empresário não vinha do dinheiro, não vinha dos técnicos, não era
marketing: “o homem tem estilo”.
Pode parecer outro pulo, mas continuo no mesmo rumo. Corria
março de 1958 (três meses antes da Copa do Mundo), jogo simples entre o América
do Rio e o Santos. Pelé tinha 17 anos, relativamente pouco conhecido, era
apenas um entre vários no campo. Nelson Rodrigues, na crônica da partida,
intitulada “A realeza de Pelé”, comentou: “Anda em campo com uma dessas
autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei. Do seu peito, parecem
pender mantos invisíveis. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um
estado de espírito. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem
considerável — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Com Pelé no time ninguém
irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de
nós”. O Brasil, três meses depois, pela primeira vez ganhou a Copa.
Existe, às vezes benéfica, por ocasiões maléfica,
indefinível força interior, constatada por todos ou, quando menos pelo que
sabem ver, impressionante, decisiva, que se exprime no estilo, atitude, olhar,
passo, conduta, porte, segurança, carisma. No jeitão. As vitórias e derrotas
humanas, mais que o dinheiro, os ótimos silogismos e a organização, devem-se a
fatores imponderáveis (ou muito dificilmente ponderáveis e explicitáveis), como
os relatados acima. O que são? Impulsos potentíssimos, não raro bafejados pela
graça ou pela tentação. Contra eles, quando aviventam o mal, existe reação
possível? É difícil, mas o começo está na temperança, cabeça fria e raciocínios
claros.
Pretendia falar sobre a situação do Brasil. O que estará nos
esperando na esquina, já agora maquinado debaixo de nossos narizes? Daqui a
quatro anos, o que supor que enfrentaremos? Pensando bem, tratei da situação
brasileira, ainda que tenha deixado de lado no momento a corrupção,
privatização, estatismo, reforma da Previdência, posição da alta magistratura,
Lava-Jato, articulação da esquerda (CNBB, PT, PSOL, sei lá mais o quê), avanço
da China, Venezuela, pingos ácidos de desmoralização sobre correntes antipetistas.
Reconheço, sem nenhuma reserva, são assuntos fundamentais, reclamam análise
urgente, embebida de discernimento. Mas ficam para próximo texto, meu espeço
acabou.
Guerra se vence com soldados, canhões, estratégia, boas
alianças, propaganda, dinheiro. Com olhos. Não nos esqueçamos, no panorama
podem estar atuando fatores pouco notados, enormemente importantes — fatos,
pessoas, modas, estímulos, proibições tácitas. Espero, o texto terá o condão de
atrair, ainda que brevemente, a atenção sobre eles. Dar-me-ia por satisfeito.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário