5 de março de 2019
Péricles Capanema
CLAP na Venezuela significa Comitê Local de Abastecimento e
Produção [foto]. São dezenas de milhares pelo país, distribuem e, por escassas
vezes, produzem um pouquinho de alimentos. Vendem bolsas de alimentos a preços
subsidiados apenas às pessoas neles registradas. O registro supõe inexistência
de militância oposicionista e alguma forma de adesão ao regime. Sem registro,
nada das doações dos alimentos de primeira necessidade.
Comunicado da TV estatal afirma, os CLAPs “constituem a
nova forma de organização popular encarregada da distribuição, casa por casa,
dos produtos de primeira necessidade”. Casa por casa. Num país esfomeado,
controlam grande parte da comida entregue a conta-gotas aos pobres. É, na
prática, instrumento eficaz de pressão, perseguição e prêmio, enfim, de
meticuloso controle social. Estrangula as reações no nascedouro. Enorme
retrocesso humano, sem dúvida, mas gigantesco avanço revolucionário. Em
inglês, clap significa aplaudir. Os partidários dos comitês têm ainda
essa missão, havia me esquecido: aplaudir a tirania no poder até as mãos
ficarem em carne viva.
Os CLAPs têm a mesma inspiração dos sovietes implantados na
Rússia em 1917. Eram conselhos operários que, rezava a teoria, controlavam
todos os assuntos no patamar local e depois se articulavam para comandar o
Estado. Ainda em doutrina, levavam ao extremo a autogestão. Por meio deles,
supostamente, pela primeira vez na história, a igualdade triunfaria, surgiria o
governo dos operários. Entre as atribuições, naturalmente está produzir,
regular e distribuir a produção. Os bolchevistas em 1917 lançaram a revolução
sob o lema “Todo o poder aos sovietes”. Lero-lero. Na prática, outra a
realidade, o Partido Comunista dirigia tudo, os sovietes nunca passaram de “longa
manus” dos líderes partidários.
Volto ao calvário da Venezuela. Do CLAP, soviete em
construção, disse Nicolás Maduro: “O CLAP é ritmo, o CLAP é alegria, o
CLAP é poder popular, são [os CLAPs] a expressão da igualdade, da solidariedade
e da cooperação, do trabalho popular, são a expressão do futuro”.
De novo, na teoria: o trabalho se daria em conjunto, em
ambiente de cooperação e solidariedade. Daí serem “expressão da igualdade”,
“expressão do futuro”. De outro modo, o objetivo do futuro é a igualdade dentro
dos CLAPs. Na prática o que acontecerá é a repetição de todos as tentativas
anteriores: ambiente crescentemente pesado, aproveitadores, brigaria,
criminalidade em alta, baixíssima produtividade, pobreza e exploração dos
fracos; no fim, extinção por completa inviabilidade. Desde o século XIX, os
ensaios sempre deram nisso.
Nicolás Maduro reafirma obstinado a concepção totalitária,
melhorando, a obsessão totalitária mitomaníaca, que sempre acompanhou o
comunismo, empurrar todo mundo para dentro da igualdade nessas pequenas
comunidades. A utopia comunista vive nos escombros do socialismo real, o
soviete, cadinho do homem novo, para dentro do qual todos devem ser empurrados,
para ali trabalhar e viver; na casca, a sociedade dos livres e iguais, no
miolo, o inferno na terra). Em 1917 foi tentado assim, aconteceu desse modo em
boa medida nos kibutzim judeus. Deixo de lado esboços na Espanha,
Alemanha, Hungria, Polônia, Itália, expostos em ampla literatura sobre os
conselhos operários. Agora o regime chavista os impõe à Venezuela. Na esquerda
católica, eco fiel da utopia socialista, tivemos (e ainda temos) os sonhos
(melhor, os delírios de ordem social) das comunidades eclesiais de base.
O MST se nutre dessa mesma doutrina tóxica. Os
assentamentos, meninas dos olhos do INCRA e do MST, têm também aqui sua origem.
Essas duas organizações — o MST claramente orcrim, organização criminosa,
e o INCRA, em sua atuação, vezes sem conta, também orcrim pelo
contubérnio de décadas de destacados funcionários seus, de carreira ou em
cargos comissionados, com MST, CPT e afins — sonham com um Brasil contaminado
por assentamentos, na prática pústulas cancerosas na carne da Pátria, favelas
rurais. Em verdade, a inspiração maior é o soviete. Pasmem, ninguém parece ter
peito para gritar o óbvio ululante: é preciso acabar de vez com essa doidice,
já velha de décadas, dos assentamentos. São mais de 30 anos de fracassos,
dinheiro torrado, bilhões e bilhões de reais, baixíssima produtividade,
roubalheira, valhacouto de desordeiros, favorecimento de agitadores da extrema
esquerda, em regra com a parceria solícita e contínua do INCRA.
De onde vem tanta desgraça, que não morre, resiste à
realidade óbvia, por tanto tempo em tantos países do mundo? Da idolatria da
igualdade. Para atingir sua igualdade, os revolucionários conhecedores dão
origem a sabendas, quase nunca confessadamente, a homens atrofiados. São
décadas a fio produzindo personalidades estioladas, sacrificadas nas aras da
igualdade.
Corta. Nenhuma igualdade buscar? Sim, igualdade
proporcional, de matriz aristotélica. Daí, desigualdades harmônicas, estão
explicadas na doutrina social católica.
Volto. Quero tratar em especial de ponto que está lá em cima
no título e é em geral enterrado nas discussões: a plenitude. Os homens, por
inclinação natural, buscam e devem buscar a plenitude. Têm direito à plenitude
pessoal. Dela, existem incontáveis espécies, moral, cultural, artística,
financeira. Respeitada a moral, a qualquer delas. Age contra direito humano
quem propõe regime que estiole e atrofie qualidades pessoais; mais no ponto,
cerceie o florescimento da pessoa.
Meses atrás publiquei livro pequeno exatamente sobre esse
ponto, era um conto. O título do livro, “Brigo pelos homens atrofiados”. Para
ficar mais leve, o trabalho teve caráter jocoso e saiu com pseudônimo: Zeca
Patafufo foi o autor. De passagem, para quem não sabe, patafufo, em Minas, é o
epíteto faceto que recebe quem nasceu em Pará de Minas, nasci lá.
No meio do conto, um chefe revolucionário de expressão
explica didático numa roda: “Minha opinião, a gente sempre buscou o
avanço, outro modo, foi atrás da igualdade; é continuar por aí, não tem porque
mudar. Lá adiante chegará a hora de matar a pessoa-rei, simples realidade
datada. Não massacramos os reis? Vamos abater também esse e jogar o cadáver ao
lado de Luis XVI e Nicolau II. Taqui a grande conquista progressista na rota da
igualdade. Entendo, custoso se acostumar, por ora fica entre nós. Esmiúço mais:
a igualdade, o fio condutor das revoluções nos Tempos Modernos, é o primeiro
valor social fundante, é falar, o absoluto supremo, cuja generalização
representa o fim da exploração do homem pelo homem. […] O nivelamento só é
possível por compressão das possibilidades de realização pessoal. Daí escorre:
seres humanos estiolados são o barro da sociedade igualitária. No choque da
igualdade amigada à atrofia, de uma banda, contra, da outra, a floração das
mais variadas plenitudes, tenho lado: brigo feio pela vitória dos homens
atrofiados. É o resumo de tudo”.
Brigo feio pela vitória dos homens atrofiados. Este é
inconfessado o brado autêntico das hostes que procuram implantar o
igualitarismo revolucionário. Estrangulam a plenitude.
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