Tinha uns
sentimentos estranhos, mãe e pai aborrecidos. Não queria morrer embarcado no
seco. Moço bonito, corpulento, olhos verdes, pele cor de espuma branca. Disputado
pelas moças da aldeia. Não ligava. Dizia
baixinho, quem é do mar não se separa dele. Completamente verde naquelas águas,
o que mais queria. Quem ama essas águas
verdes nunca se queixa da vida, morre nas ondas doces do mar, sua voz
prosseguia.
Pressentimento? Intuição? Pretensão alimentada
às escondidas? Ideia transmitida a ele
desde cedo. Desejo feito de ondas verdes
no íntimo, sempre. Chegava cantante aos seus ouvidos, trazido, ninguém duvide,
pelas vozes encantadas do mar.
Não se desligava de seu amor forte nascido com
o balanço das ondas. Ninguém entendia a
esquisitice, mangavam dele, o abestado.
Um
dia, tudo teria o seu fim natural, levado no seio das ondas, no rosto o soprar do
vento marinho, molhados os cabelos encaracolados. Esperassem o final, não demoraria.
Acreditariam então que não andava brincando com o que mais queria.
Diante da cena de seu sumiço, ficariam
rendidos, subjugados à verdade de seu relacionamento com o mar. Saberiam que ele, o moço de pele tostada pelo
sol de verão, olhos translúcidos de verde, língua lambendo o salitre nas comissuras
dos lábios sanguíneos, outra coisa desse mundo não queria, a não ser morrer no
mar.
O pai
irritado. A mãe chorava, rezava o terço, suplicava. Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro tirasse da cabeça do filho aqueles sentimentos. Vivia dizendo que quando chegasse o dia, ninguém tentasse procurar seu corpo por entre as ondas, não
achariam em qualquer lugar. A mãe aflita, o pai de olhos arregalados, de tanto
escutar ele repetir aquele desejo insistente, que escorria, vinha, escorria.
O pai
proibiu que ele saísse no saveiro barra afora. Inseguro para conduzir a
embarcação. Não sabia manejar firme o leme ante os arrecifes. Se topasse com o
rodamundo, vento que encapelava o mar, erguendo ondas altas, adeus, meu saveiro
Vencedor com o seu tripulante sonhador.
Uma tarde, de vento alegre, empurrou o
saveiro para cortar as ondas que se esbatiam em seu peito moreno. Subiu na embarcação. Foi na direção das ondas
brilhando no vasto verde. Ouviu aquela
voz cheia de encanto no canto melodioso do vento. “É doce morrer no mar, nas ondas verdes do
mar”.
Não se ouviu falar mais dele. Nem
encontraram seu corpo. Nem tampouco algum escombro do saveiro. Nada. Era doce
morrer no mar. Nas ondas verdes do mar. Reinventara-se para sempre, como havia
prometido a si mesmo.
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Cyro de Mattos escreve poesia, literatura infantil,
juvenil, conto, romance, crônica e ensaio. Publicado por editoras europeias.
Prêmios no Brasil e exterior. Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual
de Santa Cruz. Membro da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil e
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
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