21 de Fevereiro de 2019
♦ Péricles Capanema
Pensava eu com meus botões, fosse outra a educação
secundária entre nós, “Delenda est Carthago” seria agora expressão nos lábios
de muitos. Em minha juventude, foi. Vira e mexe a ouvia para indicar que alguma
coisa encrespada deveria sempre chamar a atenção no meio de outras
preocupações. De momento, em muitas circunstâncias importantes (vou ressaltar
uma), cai como uma luva. Contudo, nunca é escrita, nunca é ouvida em conversas.
Lembro duas razões, a primeira, já não se estuda latim; a segunda, é
superficial, para dizer pouco, o estudo da História.
E assim, para alguns vou explicar. Quem já sabe tudo a
respeito, pule este e o parágrafo próximo. “Delenda est Carthago” significa
Cartago deve, precisa ser destruída [acima, as ruínas de Cartago]. Outras
fórmulas circulam, indicando no fundo a mesma coisa. “Ceterum censeo
Carthaginem delendam esse” ou “Ceterum autem censeo Carthaginem delendam esse”.
Julgo, penso, acho que Cartago deve ser destruída. Eram afirmações populares na
Roma do século II a.C., por ocasião das guerras púnicas, como se sabe a disputa
entre Roma e Cartago, dois grandes poderes da Antiguidade. Em suma, a
existência de Cartago poderosa era o grande problema para a continuidade de
Roma como Estado soberano e livre. Todo o resto vinha depois.
Um homem público simbolizou tal política, Catão, o Velho
(234-149 a.C.). Senador, sempre terminava seus discursos, não importava o tema,
com a frase “Delenda est Carthago” — Cartago precisa ser destruída.
Vou aparentemente dar um salto carpado triplo. Tereza
Cristina, a nova ministra da Agricultura, ecoando reivindicação dos produtores
rurais reclamou: “Desmame de subsídios não pode ser radical”. Ou por
outra, é preciso desacostumar devagar o bezerro (os produtores rurais) das
tetas (o Tesouro). Se não, o bicho pode crescer franzino ou morrer.
A ministra reconhece implicitamente que um dia o bezerro, já
novilho, vai viver do pasto, sem crédito subsidiado e proteção alfandegária
para alguns produtos. Só não diz quando. E aqui, no longo prazo, dá razão à
equipe econômica que pretende acabar com a farra de subsídios, protecionismos e
incentivos pois em casos sem conta além de pesar no Tesouro praticamente falido
e invadir o bolso do contribuinte, estimulam a ineficiência; em suma, lesam o
bem comum.
Quanto à realidade vivida no momento pelo setor, a ministra
fustigou: “Vamos quebrar a agricultura? É esse o propósito? Tenho certeza
que não é. Não pode criar um pânico no campo”.
Ela tem razão. É situação a ser tratada com luvas de pelica,
problema que a bancada ruralista precisaria conversar preto no branco com a
equipe econômica. Todas as preocupações são justificáveis.
Destaco a expressão criar pânico no campo. No longo prazo,
há uma espada de Dâmocles sobre a classe rural, pior que o problema dos
subsídios e do protecionismo — delenda nela. Começa com a vigência
tranquila do ignóbil artigo 184 da Constituição Federal que estatui: “Compete
à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e
justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do
valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de
sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. § 1º As
benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. § 2º O
decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma
agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação”. Continua com o
alastramento do problema, que não está só na Constituição, espalha-se como a
peste negra pela legislação infraconstitucional.
Vou expor aqui, passo a passo, o método já largamente
utilizado para ir entregando partes das terras a grupelhos fanatizados. 1º)
Escolha da fazenda, verificação da situação fiscal, tributária etc. por amigos
dos grupelhos; 2º) Contratação de magotes de agitadores dirigidos pelo MST,
CIMI, CPT, PT, PSOL, por vezes FETAG, acumpliciados com pessoal do INCRA e de
outros órgãos públicos (em especial com utilização de dados técnicos, fiscais,
tributários que tornam mais fácil o esbulho). Tumulto na região escolhida, em
que se localiza a terra a ser roubada. No caso, na prática, todas essas
entidades agem como organizações criminosas acumpliciadas. 3º) O governo com
base na tensão social artificialmente criada pelo conluio de organizações
criminosas expropria (esbulha) a terra. E a enche de desocupados, arruaceiros
para constituir mais uma favela rural, intitulada assentamento, valhacouto de
brigas, roubalheira, até tráfico de drogas, sempre com baixíssima produtividade
e dinheiro público para ficar em pé.
Esse expediente, biso, foi largamente usado pelos governos
de FHC, Lula e Dilma. Se vier um novo governo de esquerda e de tonalidades mais
agressivas, vai utilizá-lo sem dúvida a rodo para desgraça do Brasil. E
infelizmente temos de momento em Brasília episódios contínuos de autodemolição,
que levantam preocupações quanto ao resultado das eleições de 2022. E poderemos
então escorregar rumo à presente situação da Venezuela.
A reforma agrária, estou cansado de repetir, tumor de
estimação nosso, só traz desgraça, devia acabar para nunca mais dela se falar,
mas continua viva, um disparate sem fim destruindo o campo, afugentando
investidores e empreendedores ativos, baixando a produção, comprimindo
salários. É uma praga do Egito para os pobres. Fora o resto.
Relembro agora o que escrevi semanas atrás e já o relaciono
diretamente ao título do artigo. Allende comunistizou o Chile com esteio na
legislação existente, “os resquícios legais”. Não precisou de legislação nova.
Atenção, vou repetir: não precisou de legislação nova. Entre nós, com base na
Constituição de 1988 e em legislação infraconstitucional vigente, o campo pode
ser devastado.
Vou dar apenas um exemplo. Um dos dispositivos mais letais
para as desapropriações delirantes do período Lula-Dilma, sempre utilizado pela
dupla para cevar grupelhos de extrema esquerda agrária foi o artigo 15, cujo
teor é o seguinte: “Art. 15. A implantação da Reforma Agrária em terras
particulares será feita em caráter prioritário, quando se tratar de zonas
críticas ou de tensão social.”
Criar zona crítica ou de tensão social é tarefa fácil para
organizações criminosas conluiadas. Acima está o método na sua simplicidade. E
aí chega o Poder Público, também no conluio e desapropria. Ninguém nunca mais
cancela a injustiça. O artigo 15 é de qual lei? Não a indiquei ainda. É da lei
nº 4504 de 30 de novembro de 1964, presidente o marechal Castello Branco,
Roberto Campos o ministro do Planejamento e Octávio Gouveia de Bulhões na
Fazenda.
Para segurança jurídica dos próximos anos e das gerações futuras
de produtores rurais, é urgente limpar a legislação das disposições ignóbeis,
facilmente utilizáveis por qualquer governo mal-intencionado. A existência de
tal arcabouço, mesmo que não pareça, é o maior obstáculo para a segurança
jurídica e a tranquilidade dos produtores — agora e daqui a 50 anos; a lei de
1964 que em boa hora (para eles) caiu no colo de Lula tem 55 anos. Este fato é
pior e mais ameaçador que o fim abrupto dos subsídios. Não se berrou contra o
“entulho autoritário”, que precisava ser varrido logo? E sobre este entulho de
maldição, garantia de devastação da agropecuária, logo que a esquerda o tenha
em mãos vai pairar o silêncio sepulcral?
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário