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domingo, 14 de outubro de 2018

NOSSA SENHORA DO CÍRIO DE NAZARÉ

14 de outubro de 2018

Belém (PA) 13-10-18: Procissão fluvial com a imagem de Nossa Senhora de Nazaré

Imponente manifestação de fé e devoção mariana no norte do Brasil

♦  Valdis Grinsteins

A Imagem na berlinda que é puxada pelos devotos por meio de uma longa corda

Todo segundo domingo de outubro, quase dois milhões de pessoas convergem à cidade de Belém do Pará, a fim de homenagear a Virgem de Nazaré. Em tal comemoração religiosa, popularmente conhecida como o Círio de Nazaré, há procissões também nos dois dias que antecedem o segundo domingo de outubro. A procissão desse dia é considerada a maior do mundo.

Nessa ocasião a população já numerosa da capital paraense dobra, e verifica-se também uma mudança no estado de espírito da cidade. As pessoas tornam-se mais amáveis, atenciosas, e o relacionamento entre elas fica diferente. Tão importante manifestação de fé não passa desapercebida aos jornais do mundo, dos mais importantes. Assim, o “The New York Times” reconhece que é “a maior festa religiosa de um país com a maior população católica do mundo. […] O Círio talvez seja o exemplo mais impressionante […] a força e viabilidade contínua de um catolicismo popular”.*

O Círio de Nazaré é um exemplo de festividade católica de cunho popular, numa época neopagã como a nossa.

Antiquíssima tradição

Como muitas devoções nacionais, esta também proveio de Portugal. Mas não nasceu lá. Bela tradição narra que a imagem original foi esculpida por São José na própria casa de Nazaré, onde morava a Sagrada Família. Daí o nome da devoção. Tal imagem permaneceu na Terra Santa e veio parar nas mãos de São Jerônimo. Este, temendo pela segurança da imagem, devido aos ataques dos inimigos da fé, enviou-a a Santo Agostinho no norte da África. Os monges agostinianos levaram-na para a Espanha, e quando ocorreu a invasão muçulmana ela foi escondida num local de difícil acesso, ficando esquecida por muito tempo. Até que, em 1182, o nobre português Dom Fuas Roupinho, participando de uma caçada, estava para cair do cavalo num despenhadeiro [no quadro ao lado, a representação do milagre, no Santuário Na. Sra. de Nazaré, na cidade do mesmo nome, Portugal]. Invocou então Nossa Senhora e foi salvo. Em agradecimento, mandou edificar no local uma capela, e os obreiros que a construíam descobriram a imagem. Este fato é lembrado nos vitrais da Basílica paraense, onde aparece um cavaleiro perseguindo um cervo, que cai num precipício.

A devoção à imagem foi aumentando com os milagres e as graças obtidos por seu intermédio. Posteriormente, foi diante dessa imagem que rezou São Francisco Xavier antes de partir a converter o Oriente. E foram os padres jesuítas que trouxeram, por volta de 1653, esta excelente devoção ao Brasil. [Na foto ao lado, o Santuário Na. Sra. de Nazaré, na cidade do mesmo nome, Portugal. Na foto abaixo, a Basílica em Belém do Pará].

A imagem brasileira não é a original, que ainda se encontra em Portugal. Em nosso País, a história começa quando, em 1700, um rapaz chamado Plácido de Souza encontra nas margens do Igarapé do Utinga uma imagenzinha esquecida ou perdida. Ele pegou a pequenina imagem (que mede apenas 28 cm de altura) e a levou para casa. Entretanto, a imagem desapareceu. Plácido voltou ao Igarapé e lá a reencontrou. Novamente retornou para casa com a imagem. O prodígio, contudo, repetiu-se.
Percebendo ele, então, que havia um manifesto e sobrenatural desejo de Nossa Senhora de permanecer no mesmo lugar onde fora encontrada, promoveu ali a construção de uma capela para abrigar a milagrosa imagem. Hoje, nesse local, encontra-se a imponente Basílica de Nazaré. [foto ao lado].

Várias fases da procissão

A primeira procissão do Círio de Nazaré ocorreu em 1793, organizada pelo governador português Francisco Coutinho, impressionado com a força dessa devoção. Desejando que não fosse apenas venerada pela população da cidade, mas de toda a região, convocou ele uma procissão. Justamente um dia antes de sua realização, o governador ficou doente. Prometeu então que, caso ficasse curado, iria até a ermida para buscar a imagem, levá-la-ia até o palácio do governo e a acompanharia de volta. Após tal fato, essa tradicional procissão é sempre realizada até os presentes dias.

A festa do Círio contém diversas etapas. Primeiramente, uma procissão rodoviária; outra fluvial; e, finalmente, o cortejo na cidade.

A procissão em Belém do Pará começa com o traslado da réplica da imagem, desde o Colégio Gentil Bittencourt até a Catedral, no sábado à noite.

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil.

No domingo, às 6 horas da manhã, as pessoas já aguardam o início da procissão. São cinco quilômetros, percorridos em quatro horas, mas que podem chegar facilmente a oito, devido ao impressionante número de participantes. A imagenzinha é colocada numa berlinda de estilo tradicional, construída em 1964. Em 1963, colocaram-na num carro novo, mas a novidade foi rejeitada pelo povo. Originalmente tal berlinda era puxada por cavalos, mas desde 1885 ela é conduzida pelos devotos, que a puxam mediante uma corda [foto ao lado, neste dia 13 de outubro de 2018]. Esta longa corda, de 300 metros, é muito disputada, pois todos querem ter a possibilidade de ter algum contato, mesmo indireto, com a imagem.

Para essa festividade, pagadores de promessas acorrem à cidade, provenientes de todas as partes do Brasil, principalmente do Norte e Nordeste; numerosos meninos vestidos de anjos seguem a imagem; durante o cortejo, romeiros levam casas em miniatura, partes do corpo humano feitas em cera, e até barcos em miniatura. Tudo isso em agradecimento por graças e curas alcançadas. Naturalmente, o mais comum são romeiros portando círios — as velas que dão nome à celebração.

 Manifestações da devoção

Círio fluvial, na manhã do sábado, 13-10-18, com centenas de barcos

Durante todo o trajeto, a imagem não pára de receber homenagens: chuvas de papel picado, palmas, flores, cânticos, especialmente rojões e fogos de artifício.

Após algumas horas a imagem chega à Basílica de Nazaré, construída, como dissemos, no mesmo local em que, há 210 anos, a imagem foi encontrada.

Também faz parte do Círio uma romaria fluvial. A imagem é levada até a vila de Icoaraci. Em seguida, parte pela Baía do Guajará, acompanhada de todo tipo de embarcações embandeiradas até o porto de Belém. É um lindo espetáculo contemplar o rio repleto de barcos escoltando a imagem. [foto ao lado, neste dia 13 de outubro de 2018].

Não poderia deixar de ser mencionado o costume de preparar pratos típicos para essa festa. Se a procissão revigora a alma, é justo que o corpo receba também sua parte. Os pratos mais apreciados na ocasião são o Pato no Tucupi e a Maniçoba.

Um vigor de alma “medieval”

A maior procissão católica do mundo

Como explicar tão impressionante manifestação de fé, no século XXI, herdeiro das desordens do século XX?

É o que se perguntaram os jornalistas do “The New York Times”, que terminam o mencionado artigo com a seguinte reflexão: “Tais costumes e a intensidade do fervor religioso em torno do Círio são um lembrete de que a Idade Média ainda está presente entre nós e não desapareceu completamente”. Heraldo Maués, autor do artigo e professor de antropologia da Universidade Federal do Pará, acrescenta: “Ela [a Idade Média]aparece nas práticas, nas idéias e nas crenças quando menos se espera”.*

É bem isso! As melhores tradições religiosas das épocas de fé ainda estão vivas, após séculos de tentativas para extirpar da alma do brasileiro todo vestígio de Cristianismo.

Mas o século XXI também dá sua contribuição. E ela é muito infeliz. Nos trajes muitas vezes imorais dos romeiros, e em múltiplas manifestações inconvenientes durante a procissão, vemos a marca deste século de abominação em que vivemos.

Peçamos a Nossa Senhora de Nazaré que as manifestações religiosas do Círio sejam para o mundo inteiro um exemplo de fé, em nossos conturbados dias. E que elas, apesar dos ataques dos inimigos da Santa Igreja, continuem crescendo até o advento bendito do Reinado do Imaculado Coração, prometido em Fátima.
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*Em atos de fé no Amazonas, a Idade Média sobrevive. “The New York Times”, 10-10-2000.


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