O novo delegado
Seu Zuza
tornou-se delegado de polícia nomeado pelo governador. Ele havia trabalhado com
afinco na campanha e isso lhe foi decisivo para ganhar o cargo, tornando-se
gente graúda na cidade. Antes disso, vivia revendendo cacau comprado a pequenos
fazendeiros apertados. Depois da nomeação, sentiu-se poderoso, ficou pedante e
ganhou o apelido de xerife. Passava posudo, pela rua, com a papada vermelha
dobrando sobre o colarinho duro; bengala encastoada, sapatos de duas cores,
terno de gabardine branco e chapéu panamá.
- Venha
cá, seu peste! Ela tratava pessoas assim. Isso o caracterizou para o resto da
vida.
No dia da
posse, ainda sem muito prestígio, ele conseguiu reunir na delegacia um pequeno
grupo de pessoas – a mulher, três filhos já crescidos, o dono de uma farmácia
que era seu compadre, o prefeito, alguns parentes e uns curiosos espontâneos.
Da capital viera um preposto da Segurança Pública que discursou depois do
prefeito:
- A partir
de hoje, graças à sabedoria do senhor
governador, as famílias desta
cidade e da redondeza vão ter mais segurança e maior tranquilidade, com a
nomeação de vossa Excelência!
Antes da
cerimônia da posse, o prefeito mandou fazer uma limpeza geral na casa onde
funcionava a delegacia alugada pela prefeitura, e no gabinete do delegado
mandou colocar uma estante nova, um arquivo de aço, sofá de madeira
envernizado, carteira, ventilador e uma poltrona que arriava para trás.
Na
cidadezinha tudo era manso e todos se conheciam, daí a dificuldade de aparecer
serviço para o novo chefe e para os três soldados que passavam o tempo todo
jogando baralho embaixo de uma amendoeira em frente à delegacia, ou num bar que
ficava na esquina; por falta do que fazer em seu gabinete, seu Zuza só aparecia
por lá no início do expediente e à tardinha. Fora disso, passava o dia zanzando
pela rua, prosando com os conhecidos.
- Alguma
novidade? – Indagava ao filho colocado por ele para tomar conta do gabinete, em
sua ausência.
No final
do primeiro mês de seu mandato, ele preparou um relatório sobre as ocorrências
registradas no período, enviando-o ao prefeito:
- Do dia
1º ao dia 10, nada ocorreu. Já no dia 11, compareceu a esta delegacia a filha
mais velha do senhor Nabuco, queixando-se de
um vizinho de prenome Eusébio que vinha jogando cascas de ovo no quintal
dela. Mandei intimar o sujeito e o repreendi como mandam os bons costumes. No
dia 19 a senhora Isaura dos Santos, residente na Rua Seabra, apresentou queixa
contra Zeca de Tal, acusando-o de haver pronunciado nomes feios junto à casa
dela. Foi intimado e repreendido. Finalmente, no dia 25, um agregado do doutor
José Ferreira chegou a esta delegacia com um corte de facão no braço esquerdo,
acusando pela agressão um colega de nome Joaquim Aparecido. Este foi intimado e
levado para o xadrez. Instaurei depois inquérito competente e o enviei à
Justiça. Estas, senhor prefeito, as ocorrências registradas por esta delegacia
durante o mês corrente.
Muitos
anos depois de afastado do cargo, seu Zuza continuou gozando as prerrogativas
de delegado:
- Venho
cá, seu peste!
(LINHAS INTERCALADAS
- 2ª Edição 2004)
Ariston Caldas
..........
Ariston Caldas nasceu em Inhambupe, norte da
Bahia, em 15 de dezembro de 1923. Ainda menino, veio para o Sul do
estado, primeiro Uruçuca, depois Itabuna. Em 1970 se mudou para Salvador onde
residiu por 12 anos. Jornalista de profissão, Ariston trabalhou nos
jornais A Tarde, Tribuna da Bahia e Jornal da Bahia e fundou o periódico Terra
Nossa, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia; em
Itabuna foi redator da Folha do Cacau, Tribuna do Cacau, Diário de
Itabuna, dentre outros. Foi também diretor da Rádio Jornal.
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