5 de setembro de 2018
♦ Paulo
Roberto Campos
2 de setembro de 2018 — mais um dia trágico de nossa
História! Um incêndio muito simbólico reduziu a cinzas o Palácio de São
Cristóvão, na Quinta da Boa Vista. Também conhecido como Museu Nacional, foi
residência do Rei Dom João VI e dos nossos Imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro
II no Rio de Janeiro, bem como o local onde a Imperatriz Dona Leopoldina
assinou o decreto de nossa Independência, no dia 2 de setembro de 1822.
Incontáveis brasileiros viram no desleixo com que esse
memorável edifício era tratado pelos últimos governos esquerdistas o desejo de
incendiar a própria lembrança de nossa gloriosa história monárquica. Restam-nos
as cinzas que choram. Pranteamos a perda inestimável, pranteamos o desprezo por
nossas tradições, pranteamos a absurda preferência por exposições psicodélicas,
extravagantes, pornográficas e até blasfemas em museus nacionais, para as quais
governos desperdiçam rios de dinheiro. Como declarou o Príncipe Dom Luiz de
Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil, o palácio arruinado
representa “um símbolo acabado dessa imensa destruição que políticos,
homens públicos, intelectuais e outros vêm empreendendo, há décadas, contra o
edifício da brasilidade”.
Vista da Quinta da Boa Vista, com o Paço de São Cristóvão,
em meados do séc. XIX
Nesse mesmo sentido, o jornalista Juan Arias publica artigo
intitulado Mais
que um incêndio, um triste símbolo de um país que abandona a si mesmo (“El
País”, 3-9-18), no qual adverte: “O
incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio, e com ele 200 anos da história
do Brasil, foi mais do que um incêndio. As chamas são o triste símbolo de
um país que abandona a espinha dorsal da ciência, a da cultura e da arte para
privilegiar uma política mesquinha de pequenos interesses pessoais dos que
deveriam ser os guardiões da maior riqueza de um país, que é a memória da sua
cultura”.
Entretanto, apesar do desaparecimento desse grandioso
símbolo, devemos confiar na Providência Divina. Do alto do Corcovado, o Divino
Redentor vai restaurar não só o Rio de Janeiro, mas todo o Brasil e,
ressurgindo-o das cinzas, torná-lo-á ainda mais glorioso do que no passado.
Voltaremos a ser a verdadeira Terra de Santa Cruz, livres de qualquer
influência comuno-bolivariana e da presente “Revolução Cultural”, de certo modo
ainda mais avassaladora do que a de Mao-Tsé-Tung.
Em memória da época resplandecente do Palácio Imperial de
São Cristóvão, transcrevemos a seguir alguns trechos do excelente livro Revivendo
o Brasil-Império, de Leopoldo Bibiano Xavier (1991 – Artpress) [capa ao
lado]. O contraste entre Monarquia X República; Palácio São Cristóvão X Palácio
do Planalto salta aos olhos…
O Palácio do Imperador está aberto a todos
Todo o mundo, sem exceção, podia ser facilmente admitido à
presença do Monarca, não se precisando para isso nem de vestuário apropriado,
nem de bilhete especial, nem de qualquer declaração ou outra formalidade, e
muito menos de empenhos de políticos ou de gente do Paço.
Bastava apresentar-se
em palácio, declinar o nome, que era lançado num grande livro, e penetrar
naquelas salas abertas a todos. Benjamim Mossé afirma:
“Cada um pode apresentar-se como quiser, de casaca, de
uniforme, de blusa, de roupa de trabalho; nem por isso deixa de ser recebido
por Sua Majestade. O mais humilde negro, em chinelos ou pés descalços, pode
falar ao Soberano”.
Escragnolle Dória, conhecido historiador e escritor,
confirma:
Retrato de Dom Pedro II, c. 1885,
por Marc Ferrez (RJ / Acervo IMS)
por Marc Ferrez (RJ / Acervo IMS)
“Era só chegar e esperar a sua vez, certo de ser atendido.
Cada qual trazia o seu interesse, e dava o seu recado sem vexame, na sua
gramática. O Imperador costumava referir-se a essas audiências públicas
como receber a minha família brasileira.
“Certa vez, falava ao Imperador uma mulher de cor, já
idosa, cabeça nua, mãos trêmulas, xale aos ombros, vestido de chita, sapatos e
meias usados. Aproximou-se acanhada, dirigiu-se ao Soberano, e no perturbado da
exposição deixou cair papéis, sem dúvida de apoio à modestíssima pretensão. Apanhou-os o Imperador, restituiu-os, continuou a ouvir por muito tempo,
despedindo a suplicante com um sorriso de bondade e gesto de encorajamento,
ficando a segurar os documentos que ela lhe confiara”.
O romancista Gustavo Aimard, que visitou o Brasil três
vezes, escreveu sobre nosso País o livro Brésil Nouveau. Estava no Rio
havia oito dias, em 1881, quando seu amigo Sohier lhe sugeriu que fosse ao
Palácio da Boa Vista visitar o Imperador. Perguntou então qual seria a
etiqueta. O amigo riu-se, e lhe deu a explicação:
— Nos sábados, as audiências imperiais são públicas, e duram
de duas às cinco da tarde. Os candidatos a um encontro com o Soberano entram no
Palácio, sobem ao segundo andar, atravessam uma longa galeria e entram na sala
das audiências, sem ninguém para lhes embargar os passos.
— Então não há soldados, funcionários e veadores?
— Soldados, haverá uns vinte. Mas nenhum se ocupa de quem
entra nem de quem sai.
Monumento em homenagem ao Imperador D. Pedro II, em frente
ao palácio
Aimard narrou desta forma a entrevista:
“Entrei no Palácio, subi uma larga escadaria
atapetada, no alto da qual encontrei uma pessoa que imaginei ser um porteiro,
mas que era um camarista. Perguntei-lhe onde estava o Imperador: ‘Em frente, na
segunda porta à esquerda’, respondeu-me sorrindo esse desconhecido. Atravessei
um imenso salão, que parecia estreito por causa de seu extenso comprimento.
Estava deserto, completamente sem móveis, não tendo nem mesmo um banco. Em
compensação, as paredes se achavam cobertas de quadros, dos quais quase todos
me pareceram ser de bons mestres e de várias escolas. Alguns deles chamaram
minha atenção, parecendo-me de grande valor. Fiquei de tal modo absorvido por
essas telas, que esqueci por muito tempo o que tinha ido fazer ali. Duas
pessoas que saíam, conversando em voz alta, chamaram-me à realidade. Abri a
porta que o desconhecido me tinha indicado, e achei-me noutro salão, este muito
bem mobiliado, no qual se via uma meia dúzia de capuchinhos comodamente
sentados, todos cochichando uns com os outros. Atravessei uma galeria bastante
estreita, mas muito longa, cheia de gente. O Imperador se encontrava no fim da
galeria. Reconheci-o logo pela sua elevada estatura, pela barba loura
entremeada de fios de prata, e pela fisionomia sorridente”.
O Conde d’Ursel, secretário da legação belga no Brasil, aqui
desembarcou em 9 de dezembro de 1873. Narra a visita a D. Pedro II:
“Estava o Palácio Imperial aberto a todo o mundo, e os
veadores do Soberano acolhiam os visitantes com a maior cordialidade. Ao limiar
daquele Paço, sentia-se que o dono da casa a todos recebia benévola e
bondosamente.
Era sábado, dia de audiência pública, por assim dizer, pois
toda e qualquer pessoa era admitida a falar a D. Pedro II. Na extremidade da
longa galeria avistei o Imperador vestido de preto, parando em frente a pessoa
por pessoa, estendendo freqüentemente a mão e ouvindo o interlocutor, sempre com
visível atenção.
Nada mais impressionante do que o espetáculo ao mesmo tempo simples e
comovedor, que eu tinha diante dos olhos. Havia pessoas de modesta posição,
vestidas pobremente, esperando a vez para, sem intermediário algum, submeter ao
Soberano a sua petição. O Imperador, com benevolência e dignidade, deixa chegarem-se a ele todos dentre
os seus súditos que têm uma reclamação a fazer ou um favor a pedir. É voz
corrente que esta prática excelente serve por vezes de freio salutar aos
funcionários que se deixam levar a arbitrariedades”.
Litografia do Paço de São Cristóvão em meados do séc. XIX,
por Jean-Baptiste Debret. Nesta época um outro torreão já havia sido
acrescentado.
Qualquer brasileiro pode falar com o Imperador e confiar na
sua bondade
[…] Não era um rei entre burgueses, mas um chefe de Estado
que procura equiparar-se aos outros dois. Na realidade, acentuava com isso a
majestade que lhe é natural. Só os príncipes, educados para o trono, podem
ser simples, familiares e agradáveis, sem que os demais ousem romper a zona de
respeito de que insensivelmente se cercam.
Silveira da Mota, secretário de Tamandaré, afirmou:
Vista lateral do Palácio de São Cristóvão entre 1858 e 1861.
“Confesso que nunca vira, na pessoa de D. Pedro II, tanta
força de sedução. Tudo o que havia de simpático e nobre na sua fisionomia,
apresentava-se naquela época com o aspecto mais favorável. Parecia ser o
Monarca da coxilha, idealizado pela gauchada. Ele não teve sequer o seu batismo
de fogo, mas a fleuma com que se aproximava ao alcance do fuzil das trincheiras
paraguaias foi o bastante para que os circunstantes fizessem uma alta idéia da
sua coragem”.
Se D. Pedro II tinha um grande, um irremediável defeito,
pode dizer-se que esse defeito era a sua bondade. Joaquim Nabuco, o famoso
abolicionista, afirmou que durante cinqüenta anos o povo encontrou o Imperador
sempre de pé, na galeria de São Cristóvão ou no Paço da Cidade, ouvindo a
todos sem enganar a ninguém:
“A sua porta esteve sempre mais franca do que qualquer
outra no País. E quando se deixava de tratar com ele, para falar aos poderosos,
todos sentiam que a vaidade da posição começava abaixo do trono”.
Na sua “Fé de Ofício”, o próprio Imperador afirmou: “O
meu dia era todo ocupado no serviço público, e jamais deixei de ouvir e
falar a quem quer que fosse”.
O conselheiro Nuno de Andrade descreveu uma audiência do
Imperador:
Vista da quinta com o Paço de São Cristóvão por volta de
1820,
antes da reforma neoclássica. O edifício tinha um único torreão.
O portão em frente ao paço encontra-se atualmente na entrada
do Jardim Zoológico da Quinta da Boa Vista.
antes da reforma neoclássica. O edifício tinha um único torreão.
O portão em frente ao paço encontra-se atualmente na entrada
do Jardim Zoológico da Quinta da Boa Vista.
“Às cinco horas em ponto desci do tílburi, junto à portinha
baixa onde uma sentinela cochilava. Não se pedia licença para entrar. Tomei a
escada da direita, e fui ter a um longo salão retangular quase sem móveis, com
grandes quadros nas paredes. O Freire, criado da casa, meu conhecido, disse-me:
— O Imperador não tarda.
Cerca de quinze pessoas esperavam D. Pedro II, e entre elas
um preto vestido de brim pardo, sem gravata, com uns grandes sapatos muito bem
engraxados. Depreendia-se do lustro do calçado que o preto cuidara de parecer
asseado; e, como era idoso, a intenção traduzia certa altivez nativa. Tinha ido
a pé e sentia-se cansado, por isso sentara-se no chão da galeria. O
Pederneiras, com sua barba branca, chegou-se a mim, indicou o preto e disse
filosoficamente:
Nos jardins do palácio,
estátua da Imperatriz Dona Leopoldina
com seus filhos: a primogênita Maria da Glória,
que viria a ser Rainha de Portugal,
e o caçula Pedro de Alcântara (no colo),
estátua da Imperatriz Dona Leopoldina
com seus filhos: a primogênita Maria da Glória,
que viria a ser Rainha de Portugal,
e o caçula Pedro de Alcântara (no colo),
futuro Imperador do Brasil.
— Ainda querem mais liberdade nesta terra…
Instintivamente olhamos para as portas, constantemente
abertas a todos os brasileiros.
O Imperador apareceu no extremo da galeria, e o preto
levantou-se. Seria o primeiro a falar ao Soberano, e ninguém se lembrou de lhe
disputar a precedência. O Imperador lhe perguntou:
— Então, como está? Que é que temos?
— Estou bom, sim senhor. E vosmecê? Eu venho dizer a vosmecê
que fui voluntário na guerra do Paraguai. Na batalha, fiquei com um braço
ferido por bala. Curei-me, e continuei até o fim de tudo. Depois voltei e caí
no meu ofício de empalhador. Há um ano adoeci do fígado, e o Dr. Miranda, na
Santa Casa, me fez uma operação. Nunca mais tive saúde. Agora, não posso mais
trabalhar no ofício, e não tenho vintém para comprar farinha. Na secretaria do
Império há falta de servente, e eu fui falar com o ministro. Mas o ministro não
fala com toda a gente. Estão lá uns mulatinhos pernósticos, que me dizem
sempre: Você espere. Eu espero, sim senhor; e depois os mulatinhos me mandam
embora, porque o ministro não recebe mais ninguém. Já três vezes isso me
aconteceu. Então fiquei zangado e pensei assim: vou falar ao Imperador, que é
nosso pai; ele não manda a gente embora. Ora, pois, eu queria que vosmecê me
desse um bilhetinho para o ministro…
O Imperador chamou o general Miranda Reis, que então o
acompanhava, e disse-lhe algumas palavras. Voltando ao preto, exprimiu-se
assim:
— Vá com Deus. Fico sendo seu procurador, e tratarei do seu
negócio.
— Mas eu tinha vontade de mostrar àqueles mulatinhos
pacholas…
— Não tem nada a mostrar. Vá para sua casa e espere.
Alguns dias depois, contou-me o general Miranda Reis que o
Imperador mandara alojar o antigo voluntário numa casinha da Quinta, e ordenara
ao comendador João Batista que lhe suprisse a mensalidade de 40 mil réis,
pedindo desculpas de não poder dar mais. E o João Batista, honrado mineiro,
prodigiosamente econômico, amofinava-se com as freqüentíssimas decisões desta
espécie, sustentando, em voz fraca e lacrimosa, que das quatro operações o
sábio Imperador só conhecia a de dividir”.
Em uma das suas audiências do sábado, em que atendia a toda
a gente, recebeu D. Pedro II no Paço da Boa Vista um preto velho, que se
queixava dos maus tratos de que era vítima:
— Ah, meu Senhor grande, como é duro ser escravo!
— Tenha paciência, meu filho. Eu também sou escravo das
minhas obrigações, e elas são muito pesadas. As tuas desgraças vão diminuir.
E mandou alforriar o preto.
* * *
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