(Rio de Janeiro, 1956 -
o sobrevivente)
Valério
Konder*, que não me retirou sua estima quando deixei de militar no Partido
Comunista, dá-me notícia da campanha desencadeada contra mim, pela direção do
Partido, no estrangeiro: disseram cobras e lagartos, fui tratado de traidor e
vendido. Diógenes de Arruda Câmara, na época uma espécie de dono do Partido (e
da verdade), declarou numa reunião do Comitê Central: em seis meses ele deixará
de existir como escritor e homem de esquerda. Vamos acabar com ele.
Nas fofocas
que me chegam a esse propósito, uma me entristece: Pedro Motta Lima**, meu
velho amigo e camarada de longo caminho, andara fazendo minha caveira mundo
afora, na URSS, na Bulgária, em Cuba, sei lá onde. Entristeço-me, mas
compreendo: comunista imemorial, bolchevique comprovado, obediente às ordens
recebidas, meu bom Pedro deve ter dado seu recado de coração apertado,
disciplina é disciplina, não lhe guardo rancor. Outros cumpriram as ordens
alegremente, sempre fui visto com desconfiança pelos intelectuais cooptados à
direção partidária, o que esses disseram e fizeram não chegou a me entristecer.
O que me
admira até hoje é que a afirmativa do enraivecido dirigente não tenha se
convertido em realidade, que sua previsão não se tenha cumprido. Sobrevivi,
quem o diria.
* Valério Konder, médico sanitarista.
** Pedro Motta Lima (1889/1966), jornalista.
Sendo
antidoutor por excelência, o antierudito, trovador popular, populachero,
escrevinhador de cordel, penetra na cidade das letras, um estranho nos saraus
da inteligentzia, universidades da França, da Itália e do Brasil fizeram-me
doutor honoris causa, vamos lá saber por quê.
No Brasil,
a alegria superou a honra, pois na Universidade da Bahia elevaram-me a doutor
ao lado de Carybé e de Caymmi e na do Ceará vestiram comigo a toga do saber na
solene cerimônia Eduardo Portella e Aldemir Martins, quatro doutores de
verdade, criadores de cultura. Se não me pretendo mestre como eles, deles sou
mabaça, corre em nossas veias o mesmo sangue mestiço do povo brasileiro,
condiciona nossa arte e nossa literatura.
(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado
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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da
ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido
pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os
Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.
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