1 de julho de 2018
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Péricles Capanema
Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos, desembarcou
em Brasília na 3ª feira, 26 de junho [foto]. De lá foi para Manaus.
No aeroporto manauara, não o esperavam nem o governador nem o prefeito da
cidade. Ficou dois dias entre nós.
O presidente Donald Trump ainda não veio ao Brasil. Em quase
dois anos de governo, visitou a Itália (duas vezes), o Vaticano, Bélgica,
Canadá, China, França, Alemanha, Israel, Japão, Filipinas, Polônia, Arábia
Saudita, Cingapura, Coreia do Sul, Suíça, Vietnã.
Ampliando, até agora não visitou apenas o Brasil, de fato
não pôs os pés em nenhum país da América Latina, coalhada de tradicionais
aliados. A situação reflete deprimente realidade, nem é preciso comentar — para
ambos os lados. Os fatos urram. De passagem, está marcada para 30 de novembro
próximo visita de Donald Trump a Buenos Aires para a reunião do G-20.
Em boa parte, política é símbolo. Em certo sentido, é
sobretudo símbolo. Que a constatação leve a um trabalho sério para aumentar
objetivamente a importância da América Latina.
Repito, Mike Pence desembarcou em Brasília. A primeira
gestão do mandatário, tentou coordenar com as autoridades brasileiras atitude
mais enérgica em relação a Caracas. Mais que mera gestão, veio para isso.
Deveria ter sido recebido com entusiasmo por tal objetivo.
Fracassou redondamente. O chanceler Aloysio Nunes
Ferreira [à esquerda de Mike Pence]jogou um balde de água fria na
esperança do norte-americano que, no caso, só queria mais efetividade e menos
lero-lero na compaixão que sentimos do povo venezuelano e maior consciência das
ameaças pelas quais passa o Brasil. Disse o vice-presidente dos Estados
Unidos: “O Brasil liderou esforços para expulsar a Venezuela do Mercosul,
uniu-se aos EUA para suspender a Venezuela da OEA. Agora, chegou a hora de agir
com mais firmeza, e os EUA pedem ao Brasil e às outras nações mais atitudes
contra o regime de Maduro”.
O recado era direto: chegou a hora de atuar com mais
firmeza, de resolver o caso. A resposta brasileira foi também direta: chegou
nada, não vamos proceder com mais firmeza, vai continuar o lero-lero, azar do
povo venezuelano. Sublinhou o chanceler, ao frisar que a posição dos EUA sobre
a Venezuela não coincide totalmente com a do Brasil. “Somos contra
qualquer iniciativa unilateral em matéria de sanções. Para nós, o tema da
Venezuela está colocado onde deveria estar colocado: na OEA, a Organização
dos Estados Americanos”.
Quem de momento mais sofre com as atitudes lenientes do
Brasil com a ditadura de Maduro? O povo venezuelano. Quem poderia estar se
deliciando com a frieza e o distanciamento do Brasil em relação aos Estados
Unidos? A esquerda em geral, claro, em especial a China comunista. Pode ter
dividendos amazônicos, é o que veremos.
Quem sofrerá duramente no futuro, se o rumo não for mudado?
Nós. Volto a assunto que nenhum brasileiro esclarecido deveria situar fora de
suas preocupações. Michel Temer não visitou Washington. Donald Trump não
visitou Brasília. Michel Temer visitou Pequim. Xi Jingping, presidente da
China, já visitou Brasília. Lembro, política é símbolo.
Política é realidade. Estamos nos lances iniciais de uma
gigantesca disputa comercial entre Estados Unidos e China que pode degenerar em
guerra comercial generalizada e daí, sabe Deus, em embates até piores. Em tais
choques, a China, perdendo mercado dentro dos Estados Unidos, pela força das
circunstâncias buscará novos fornecedores e novas parcerias.
À primeira vista, situação favorável para o Brasil. Poderá
substituir os Estados Unidos no fornecimento de numerosas commodities e
apresentar oportunidades de aplicação de capitais. É, aliás, o que já divulgam
setores ligados aos interesses chineses no Brasil. E vão continuar procurando
criar clima de simpatia pela posição chinesa, por apresentar reflexo favorável
aos interesses brasileiros. De parceiros comerciais seríamos alçados à condição
de aliados estratégicos. Balela, soft powerdiplomacia.
Recolho repercussões iniciais de fenômeno perigoso com
potencial gigantesco de expansão. “Para o chinês, o investimento não é
resultado de uma parceria geopolítica, ele é parte dessa parceria”, declarou
Eduardo Centola, sócio do Banco Modal, instituição parceira da estatal CCCC (China
Communications Construction Company). Aliás, a bem dizer todo o investimento
chinês no Brasil provém de estatais chinesas.
Talvez o Sr. Centola não tenha percebido, mas parceria
geopolítica, por ele tanto elogiada, o que é? Geopolítica. Obviamente,
favorecer interesses chineses nessa parte do mundo. Qual deles salta logo à
vista? Sitiar os Estados Unidos. Aqui está tarefa à qual se prestaria o Brasil.
Vamos adiante. “A China olha o Brasil como um país onde
pode escoar capital, tecnologia e capacidade ociosa”, corrobora Kevin Tang,
diretor-executivo da Câmara de Comércio Brasil-China.
Satisfeita pelo novo quadro, constata Marianna Waltz,
diretora da agência de risco Moody’s; “o Brasil faz parte da estratégia
global [da China] de garantir acesso à matéria-prima e de construir a
infraestrutura necessária para importá-la”. De novo, houve noção da envergadura
do que disse? Pois esse é o papel que desempenhavam as regiões colonizadas em
relação às metrópoles nos séculos XIX e XX. Forneciam matéria-prima, as
potências colonizadoras construíam sua base.
Com esse quadro de conjunto, para qual situação o Brasil vai
sendo empurrado? Para a de Estado cliente. Estado cliente, para quem anda
desmemoriado, é Estado econômico, política, às vezes militarmente subordinado a
outro. Sinônimos da expressão, Estado finlandizado, Estado satélite, Estado
vassalo, Estado tributário, protetorado.
Fascinado por bruxedos aliciantes, passo pesado, o Brasil
bambaleia atordoado numa estrada cujo ponto de chegada — Estado cliente — vem
sendo escondido. À vera, a estação de destino ainda está pouco clara até mesmo
para muitos de seus setores mais responsáveis. Recorro a Mike Pence, chegou a
hora de acordar.
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