Intelectuais e militantes éticos que fundaram o PT, e depois
o deixaram – discordando da política de cooptação, corrupção e autoritarismo –,
olham agora para a legenda e enxergam nela um arremedo de partido
Antonio Calos Prado
13/04/18
"O PT é que saiu de mim”… Assim, solta, essa frase não
passa toda a força do sentido que tem. Mas vamos guardá-la, ela voltará ao
final desse texto, e aí soará lógica e potente. Por enquanto, fica anônima…
O PT foi fundado em São Paulo no dia 10 de fevereiro de
1980, no tradicional colégio católico Sion. Era ainda o tempo obscuro da
ditadura militar, mas uma “lenta, gradual e segura” abertura política, como a
definia o general Golbery do Couto e Silva, já se fazia ver no horizonte: um
ano antes, a Lei da Anistia trouxera de volta ao Brasil muitos intelectuais
que, asilados ou exilados, viveram a maior parte dos anos de chumbo no
exterior. Retornavam, também, guerrilheiros que haviam sido banidos. Mais: sob
as bênçãos da ala progressista da Igreja Católica, que seguia a doutrina da
Teologia da Libertação, estourava no ABC paulista um novo sindicalismo a casar
reivindicações salariais com palavras de ordem pela democracia. O seu líder
máximo chamava-se Luiz Inácio da Silva. Isso mesmo, o Lula, mas nessa época o
apelido servia apenas no futebol, no sindicato e no bar – não tinha sido,
ainda, incorporado ao nome.
Pois bem, o fato é que a conjução de todas essas correntes
sociais, compostas por uma alta “intelectualidade orgânica”, por
ex-guerrilheiros e ex-presos políticos, pela Igreja e por sindicalistas,
formaram a argamassa que trouxe à luz o Partido dos Trabalhadores.
Programaticamente, ele nasce seguindo princípios do cientista político italiano
Antonio Gramsci, na busca de uma “justa social-democracia” – a estratégia,
acreditava-se, era “interpretar a luta política como forma de luta pela
hegemonia ideológica”. Podemos concordar ou discordar dessa metodologia, mas é
inegável que, ancorado em sérios pensadores e sérios militantes, o PT mostrava
uma concreta proposta de melhorar o País. O seu principal lema era um tsunami
na velha politicagem: ética! Para se ter uma ideia, a ficha número 1 do partido
traz as assinaturas de dois intelectuais eternamente insubstituíveis: Antonio
Candido, autor do inigualável clássico “Formação da Literatura Brasileira”, e
Sérgio Buarque de Hollanda, que mergulhou na alma dos brasileiros com “Raízes
do Brasil”.
O presente, muitas vezes, não faz ponte com o passado. É
esse o caso. Hoje, Lula está preso devido ao “petrolão”, e o partido… bem, o
partido é um arremedo de partido, “página suja da história que precisa ser
virada de uma vez por todas”, na opinião do jurista Hélio Bicudo, notável
fundador da legenda e que há muito tempo saiu dela. Assim como ele, outros
intelectuais, que abandonaram a sigla na medida em que ela traía os seus
princípios, olham-na agora, à distância e pelo retrovisor da história, e
respiram: ufa, que alívio, olha a lama da qual me livrei. “O partido acabou. Há
tempo não me representa mais. Restam nele resquícios religiosos”, diz o
economista e jornalista Paulo de Tarso Venceslau, que foi um dos mais
respeitados nomes da guerrilha brasileira. “O PT virou seita, não importam os
fatos, não importa a verdade”.
O que aconteceu com Lula? O que aconteceu com o PT? Claro
que toda formação partidária almeja o poder, e o tal poder chegou em 2003 com a
posse de Lula na Presidência da República. Abraham Lincoln ensinou: “para
descobrir o caráter de um homem, dê poder a ele”. Pois é, o Brasil descobriu o
caráter de Lula. Ele mudou? Vai ver que sempre foi assim, e no Lula das greves
da Vila Euclides talvez já habitasse o Lula do “mensalão” e do “petrolão”… mas
voltemos à Presidência do Brasil.
“Atualmente, quando olho a imagem de Lula, fica claro que
ele não tem caráter, foi um oportunista como presidente”, afirma Francisco de
Oliveira, um dos mais conceituados sociólogos da América Latina. Ele diz que
“Lula é mais esperto do que se imagina”. Sem dúvida. Jogando com essa esperteza
ele tentou nos iludir falando em coalizões partidárias mas exercendo, na
verdade, a cooptação política. Se é fato, como escreveu Marshall Berman, a
partir de uma frase de Karl Marx, que “tudo que é sólido desmancha no ar”, o
antes sólido PT desmanchou no chão! Coalizões partidárias integram o pacto
democrático, mas não têm nada a ver com a cooptação que conduz ao aparelhamento
do Estado e à corrupção.
Em 2005, a diáspora já em andamento dos condestáveis que
fundaram o PT foi acelerada com o escândalo do “mensalão”. “O PT trocou um
projeto de Brasil por um projeto de poder”, diz Carlos Alberto Libânio Christo,
o dominicano Frei Beto. Finalmente, voltemos à frase do início desse texto, e
agora sim, exposto o real perfil do PT, ela faz todo sentido. Seu dono foi
Plínio de Arruda Sampaio (falecido em 2014), um dos mais éticos homens públicos
do Brasil. Fundou o partido e vinha de todas as correntes: mantinha laços com a
Igreja Católica, com o movimento sindical, com a luta contra a ditadura e com o
estamento intelectual. Quando, ao desfiliar-se, Plínio disse que “o PT é que
saiu de mim”, deu uma clara lição: ele permaneceria com a moral e a ética que
sempre teve, o PT é que fosse andar. Então é isso, quem é bom não muda! Foi o
PT que mudou e perdeu tanta gente de primeira qualidade nesse País.
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