Diretor estava com câncer no fígado, descoberto após
internação devido a pneumonia
POR O GLOBO
21/04/2018 17:39 / atualizado 22/04/2018
13:54
O cineasta Nelson Pereira dos Santos - Camilla Maia /
Infoglobo
RIO — Morreu aos 89 anos o diretor de cinema Nelson Pereira
dos Santos, um dos precursores do Cinema Novo. O cineasta estava internado desde
a quarta-feira, dia 12, com uma pneumonia, no hospital Samaritano. Na
internação foi constatado um tumor no fígado, já em estágio avançado, que
causou a morte do diretor.
O corpo será velado na Academia Brasileira de Letras (ABL)
nesta segunda, dia 23, às 9h. O enterro será às 16h, no Cemitério São João
Batista. Nelson faria 90 anos em outubro. Ele deixa a mulher Ivelise Ferreira,
quatro filhos e cinco netos.
TRAJETÓRIA
Em 1955, Nelson levou as telas em "Rio 40 graus" a
canção-denúncia de Zé Ketti “O morro não tem vez". E, até então, o morro
realmente não tinha vez no cinema brasileiro — ao menos não com aquela crueza
poética (ou poesia crua), num olhar influenciado pelo neorrealismo italiano.
Por trás da obra que fundou muitas das bases do que viria
nos anos (e décadas) seguintes, sobretudo o Cinema Novo, estava o diretor
estreante Nelson Pereira dos Santos, aos 27 anos — antes, ele havia feito apenas
o curta-metragem “Juventude” e a assistência de direção em “O saci”.
Filmografia
Em entrevista dada ao GLOBO em 1998, Nelson Pereira dos
Santos comentou seus clássicos mais marcantes. O cineasta morreu neste sábado,
de câncer no fígado, descoberto tardiamente após internação devido a pneumonia.
Veja o que ele falou sobre sua obra.
Era só o começo da trajetória daquele que se tornaria um dos maiores cineastas do país, um diretor que buscou ler e desenhar o Brasil em cada um de seus trabalhos — até o último, o documentário “A luz de Tom” (2012), sobre o maestro Tom Jobim.
Era só o começo da trajetória daquele que se tornaria um dos maiores cineastas do país, um diretor que buscou ler e desenhar o Brasil em cada um de seus trabalhos — até o último, o documentário “A luz de Tom” (2012), sobre o maestro Tom Jobim.
— O Nelson era tudo. Inventou um cinema que só poderia ser
feito no Brasil — definiu Cacá Diegues. — É uma perda irreparável. Ele morreu,
mas a obra está aí, e deve ser vista.
Em entrevista ao GLOBO em 1998, Nelson falou de seu desejo,
herdado dos modernistas, de tentar lançar luz sobre o Brasil — e de como bebeu
em outros criadores e intérpretes do país para fazer isso. Ele se referia a
nomes como Graciliano Ramos (ele levou às telas “Vidas secas” e “Memórias do
cárcere”), Machado de Assis (“Azylo muito louco”), Jorge Amado (“Tenda dos
milagres” e “Jubiabá”), Guimarães Rosa (“A terceira margem do rio”), Nelson
Rodrigues (“Boca de ouro”), Gilberto Freyre (a série “Casa grande & senzala”)
e Castro Alves (“Guerra e liberdade”).
— Sou de uma geração formada por esses escritores e outros
artistas do modernismo. Uma geração que cresceu com Oswald, Graciliano, Di
Cavalcanti, Villa-Lobos. Para construir um país só faltava o cinema — disse
Nelson.
PRIMEIRO CINEASTA A ENTRAR NA ABL
A relação com cinema vem da infância. A mãe o levava às
matinês do Cine Teatro Colombo, em São Paulo (onde nasceu, em 22 de outubro de
1928). Ali, ele passava a tarde vendo longas-metragens, seriados e desenhos
animados.
Nos anos 1940, na escola, aproximou-se do comunismo e tomou
contato com o neorrealismo italiano, que chegava ao Brasil em filmes de
cineastas como Roberto Rossellini e Luchino Visconti.
Nelson chegou a se formar em Direito na USP, em 1953 — mas
já saiu da universidade sabendo que seria cineasta. Foi nessa época que decidiu
mudar-se para o Rio. Ainda em São Paulo, atuou também como jornalista,
profissão que manteve no Rio em veículos como “Jornal do Brasil”.
A estreia com “Rio 40 graus” — filme feito com câmera
emprestada pelo pioneiro do cinema brasileiro Humberto Mauro — foi celebrada,
mas também gerou reações do governo, e a obra chegou a ser proibida. Ele
seguiria, porém, a trilha que abrira. Dois anos depois, em 1957, fez “Rio, Zona
Norte”.
Filmando documentários sobre a seca do Nordeste, Nelson
pensou em fazer um filme sobre aquela realidade. Percebeu que a história que
queria estava pronta, no livro “Vidas secas”, que lançaria em 1963. Antes de
conseguir realizar o filme, já dentro das propostas do Cinema Novo, mergulhou
no universo rodriguiano de “Boca de ouro” (1962).
Nos anos seguintes, Nelson embarcaria nas viagens alegóricas da contracultura (“Fome de amor”, “Quem é Beta?”), na comédia carioca (“El justicero”), nos cinemas históricos (“Como era gostoso meu francês”) e urbano (“Amuleto de Ogum”). Com “A terceira margem do Rio”, de 1994, ele se fez presente na chamada “retomada”. O universo de escândalos políticos do período pós-redemocratização não escapou de seu olhar — ele os retratou, em 2006, em “Brasília 18%”, que faz no título uma referência à baixa umidade da cidade.
— Não que seja uma relação determinista, de que Brasília é
daquele jeito por causa das condições geográficas. Mas o clima seco e a poeira
combinam bem com o que acontece por lá — disse Nelson ao GLOBO na época do
lançamento.
O cineasta foi professor fundador do curso de cinema da
Universidade de Brasília (o primeiro do Brasil) e também lecionou na UCLA
(Universidade da Califórnia em Los Angeles) e na Universidade de Columbia, em
Nova York. Desde 2006, era membro da Academia Brasileira de Letras — o primeiro
cineasta a ocupar a posição.
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