23 de abril de 2018
Por Jocinei Godoy, publicado pelo Instituto Liberal
Muito provavelmente você já deve ter pensado em alguma
utopia – algum lugar ou estado de coisas onde tudo é perfeito, pacífico e
equânime – tipo uma ilha perfeita, como retratou Thomas More em seu
livro: A Utopia. Com a passagem do Medievo para a Moderna, é sabido que a
fé deslocou-se do campo religioso e passou a focar o campo científico e
político. Em outras palavras, a fé de que a humanidade alcançaria seu ápice
de igualdade, liberdade e fraternidade saiu da esfera transcendental
para a esfera da imanência, ou seja, do divino para o aqui-e-agora [humanismo].
Quando o comunismo – utopia de viés humanista – é
confrontado por algum cristão como sendo histórica e humanamente impossível,
logo os adeptos e simpatizantes desta ideologia, devolvem para os cristãos a
mesma acusação, dizendo que o cristianismo também é utópico. Esta última
acusação não possui qualquer sustentação, lógica e histórica, uma vez que as
diferenças entre cristianismo e comunismo são estabelecidas desde suas bases
fundacionais, sendo a principal delas, o que se entende por natureza
humana. O marxismo, ao rotular a religião como “a ideologia”, provou do seu
próprio veneno tornando-se uma das mais pujantes ideologias de toda a história.
Seu calcanhar de Aquiles se deve justamente na idealização de
um ser humano humanamente impossível.
O comunismo e até mesmo o próprio marxismo ou socialismo
científico nunca darão certo, uma vez que, como disse Roger Scruton “desconsideram
o agir humano, ao olhar o mundo [humanidade] como uma junção de forças
impessoais”[1] . Ao contrário do que pretendem com seu materialismo
histórico, pervertem a noção de natureza humana para firmar seus mais
loucos devaneios travestidos de justiça e igualdade.
Contudo, esta ideologia possui uma estratégica válvula de
escape. Isto é, a práxis destas tentativas utópicas por meio do socialismo
é dialética por natureza. Este é o cerne da ideologia que coopta milhares
de estudantes que, achando o máximo, aderem aos seus pressupostos. Assim, por
mais que as evidências concretas da instituição do socialismo apontem para
desgraças e calamidades sem fim, seus ideólogos, numa espécie de onanismo
mental, subvertem o imbecil coletivo [parodiando Antônio Gramsci] sob
o pretexto de a ideologia se reinventar a cada momento, através da força
dos contrários. Ou seja, é sempre a reação dos outros, não a deles, que gera
desgraça e calamidade na tentativa de instauração de regimes socialistas.
Espertinhos, não é?
É por esta e outras razões que jamais o comunismo poderá ser
comparado ao cristianismo. O fundamento do comunismo é imanente. Já o
fundamento do cristianismo é transcendente. O primeiro é ingenuamente otimista
em relação à natureza humana. Sua implementação sempre acaba em desgraça. O
segundo é regiamente pessimista em relação à natureza humana, tornando-se,
portanto, factível através da busca espiritual incessante pela virtude.
Sobre isso, o escritor brasileiro João Batista Libânio em
seu livro: A Religião do Inicio do Milênio, citando o saudoso padre e
filósofo Lima Vaz (1921-2002), ilustrou esta questão ao dizer: “Lima Vaz assume
forte posição crítica diante da modernidade pós-cristã na sua pretensão de
razão autônoma, de antropocentrismo absoluto, sem referência a Transcendência”.
É a “imanentização da transcendência”, isto é, mesmo a ideia de sagrado foi
trazida para dentro e a partir do próprio humano no pretenso uso de sua “razão
autônoma”.
Finalmente, a verossimilhança da apropriação pelo ser humano
de determinada ideologia ou sistema filosófico, tem muito mais a ver com a
busca por fundamentação de suas crenças e legitimação do seu pathos [suas
paixões], do que propriamente a busca ou amor pelo conhecimento. Tal fenômeno
indica que qualquer ser humano, passada a mais tenra infância, sempre partirá
da sua crença para a busca interessada de determinado conhecimento. Neste caso,
são raríssimas as exceções que se relacionam com o conhecimento, conscientes de
que “levarão porrada” o tempo todo em seus conceitos e preconceitos.
Quem conseguiu atingir tal grau de autonomia intelectual,
está sempre pronto a moldar suas formas e esquemas de pensamento. Os que
atingiram este patamar, certamente, jamais removerão a sua fé em Deus para
colocá-la na humanidade ou, por redução, em si mesmo. Isto sim seria uma fé
para lá de religiosa. Eric Voegelin a chamou de fé metastática, ou
seja, a fé de que uma ordem paradisíaca se daria a partir, e somente, da boa
vontade humana. É a ilha perfeita de Thomas More.
[1] The Imaginative Conservative: How to Be a Non-Liberal,
Anti-Socialist Conservative. Publicado em 22 de dezembro de 2012.
Sobre o autor: Jocinei Godoy é formado em Teologia pelo
Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP; estudante de Filosofia
na PUC-Campinas-SP; e Sócio da Evolução Consultoria.
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