23/03/2018
Senhores ministros do STF:
É frustrante, é decepcionante e revoltante viver em um país
no qual a sua mais alta corte de Justiça (STF), a pretexto de salvaguardar
legalismos constitucionais que restringem o alcance da justiça, empenha-se na
tarefa de abrir possibilidades para protelar os ritos processuais e, em
consequência, evitar ab aeterno a punição de criminosos, escancarando desse
modo as portas para a certeza da impunidade.
Não é custoso lembrar aos senhores que, no rol de 194 países
membros da ONU, 193 permitem o cumprimento de sentença de prisão por decisão em
1ª ou 2ª instância. Perante o mundo civilizado, o Brasil tornou-se conhecido
como o país da impunidade e da leniência.
É óbvio que os senhores têm plena consciência de que
vivenciamos tempos muito estranhos com a ‘judicialização nada elogiável da
política’; com a leniência reprovável da justiça, notadamente em matéria
criminal; e o que é mais vergonhoso, com a ‘politização da justiça nos
julgamentos de criminosos que, mesmo já estando condenados por duas instâncias,
ainda se presumem intocáveis e inalcançáveis pelas varas, colegiados e pelas
cortes da justiça do Brasil.
Os cidadão e cidadãs que cumprem seus deveres e obrigações
para com suas famílias e com o país, não podem e não devem aceitar calados que
5 ou 6 ministros do STF se reúnam em consistório, não para modificar o que já
haviam decidido e resolvido por vontade da maioria da corte, mas para postergar
ou mesmo livrar da prisão um criminoso renitente e empedernido que ainda
comanda um bando de assaltantes do Estado que agiam e agem com plena convicção
de que jamais serão punidos pelos crimes cometidos.
Ora, postergar ou livrar da prisão um condenado em duas
instâncias da justiça a pretexto de legalismos constitucionais distantes da
realidade cotidiana de um pais vilipendiado com gana desmedida, é o mesmo que
afirmar perante o mundo que o crime no Brasil compensa, e compensa muito,
porque encontra amparo da lei penal e nas jurisprudências de correções que são
muito mal defendidas pelas autoridades do país.
Os senhores afirmam que a justiça não pode se apartar do bom
direito, tampouco pode ferir direitos ou garantias fundamentais, mas também não
pode se distanciar do senso de justiça-justa, e muito menos deve produzir
insegurança capaz de despertar a desconfiança absoluta da sociedade na mais
alta corte de justiça do país.
O STF insiste em afirmar que têm compromissos com a
Constituição e com o direito. Mas quantas vezes vimos certos ministros dessa
corte inovando em matéria constitucional; interpretando a seu modo cláusulas
pétreas da CF; ignorando solenes jurisprudências firmadas ou mesmo atuando
muito mais como advogado de defesa de criminosos do colarinho branco do que
como juízes?
Tanto é verdade que, por diversas vezes a constituição foi
rasgada nessa corte para validar entendimentos que atenderam melhor casos
isolados do que o direito como utilidade pública essencial para a garantia da
ordem e da normalidade da vida social.
Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal andam
desacreditados porque a sociedade já percebeu o empenho de parte da corte de
manter o Brasil como o paraíso absoluto da impunidade. A sociedade já disse
claramente que não aceita, nem mesmo a pretexto de legalismo constitucional,
que o STF modifique regras jurídicas que prolonguem por décadas a impunidade de
criminosos já condenados em 1ª e 2ª instâncias.
Claro que o Brasil precisa virar essa página negra da sua
história para reencontrar o caminho da Paz institucional, da Ordem e do Pleno
desenvolvimento econômico e social e o STF não pode servir de instrumento para
socorrer bandidos poderosos que roubaram o país durante décadas e pretendem
continuar roubando.
O compromisso dos ministros com a CF não pode sobrepujar o
compromisso moral e institucional com o direito de proteção coletivo, que deve
ser igual para todos os brasileiros.
Até mesmo o mais ignaro cidadão brasileiro sabe que a
corrupção desenfreada no Brasil precisa ser contida com rigor e rapidez, do
contrário, nosso país continuará sendo por muitas décadas o reino absoluto da
impunidade consentida e amparada por legalismos institucionais.
Não faz sentido, nesse momento conturbado da vida nacional,
um ministro do STF defender a protelação recursal a pretexto de salvaguardar
dispositivos frágeis constitucionais, uma vez que as estatísticas do próprio
judiciário demonstram que apenas 3% das sentenças prolatadas são revertidos na
última instância.
E no caso dos crimes de colarinho branco, esse percentual
cai para 2%.
Em todos os casos que se queira analisar, o cumprimento de
sentença após decisão por órgão colegiado em 2ª instância evitaria de forma
incontestável a continuação da impunidade como certeza e como regra jurídica
amparada por norma constitucional.
Como escreveu o Dr. Liberato Póvoa, desembargador aposentado
do TJ-TO, enquanto se aguarda o trânsito em julgado (que muitas vezes não
acontece), abrem-se todas as portas e janelas da impunidade.
O povo já vive cansado de ver os criminosos de colarinho
branco vivendo muito fagueiros, afrontando a norma, a ordem e a lei com o
argumento fajuto de presunção de inocência, quase sempre escudados na esperteza
de hábeis defensores.
Está provado e arquiprovado que, a protelação recursal só
beneficia os criminosos, que passam a gozam da plena liberdade durante todo o
tempo processual, até a prescrição dos seus crimes, como frequentemente tem
ocorrido.
A sociedade brasileira, tão desiludida e vilipendiada,
precisa ter a certeza de que a ordem penal é aplicada para todos e não para
alguns, como vem ocorrendo no Brasil nesses tempos estranhos.
Como bem o disse a ilustre Procuradora Geral, Raquel Dodge, “a
protelação de recursos interpostos nas diversas instâncias só contribui para a
inefetividade do direito penal, incentivando a incessante interposição de
recursos pela defesa, apenas para evitar o trânsito em julgado da condenação e
para alcançar a tão desejada prescrição da pena, o que reforça o sentimento
geral de impunidade e descrédito na Justiça."
Mas a manutenção da decisão do Supremo, que permite o
cumprimento da pena de prisão após a condenação em 2ª instância, é fundamental
para o combate à impunidade.
Ruy Câmara
Escritor e sociólogo brasileiro
Enviada em: quinta-feira, 22 de março de 2018 07:58
Assunto: JULGAMENTO - HABEAS CORPUS DE LULA
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