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segunda-feira, 29 de maio de 2017

ITABUNA ONTEM: OS AREEIROS DO RIO CACHOEIRA

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Os Areeiros do Rio Cachoeira

Texto de José Leal
Fotos Aymorela


Corumbá tem o rio Paraguai; Teresina, o velho Parnaíba de águas barrentas; Porto Alegre, o Guaíba. Enfim: cada cidade tem o seu rio e cada rio tem os seus cantores. O de Itabuna, no sul da Bahia, é o Cachoeira, que está para a capital do cacau assim como o Pão de Açúcar para a Guanabara: é o símbolo da cidade. Um símbolo sereníssimo em tempo de estio, belo, ao mesmo tempo “sofrido com sua gente simples escorrendo o esforço de manhãs e tardes no calendário líquido da vida” - como diz o contista Cyro de Mattos, recém aparecido na paisagem das letras nacionais com o livro “Berro de Fogo”.


Claro que o Cachoeira tem também as suas lavadeiras, pescadores e aguadeiros. Mas não é sobre essa gente humilde que vamos dizer algumas palavras: um poeta local, Firmino Rocha, um grande poeta, já entoou um hino muito bonito para essas mulheres admiráveis, as lavadeiras. Nosso assunto é sobre os areeiros, homens e meninos que buscam no fundo do rio areia para as construções de Itabuna. Areeiros que tangem “jumentos no toque-toque repetitivo dos dias, pelas ruas nem sempre calçadas, levando as cargas de areia nas latas, em perfeito entendimento com o seu dono, que os tange rumo às construções nas ruas próximas e nos bairros distantes” - ainda segundo Cyro de Mattos. 

Os areeiros do rio Cachoeira são tipos que o repórter desconhecia: o caminhar dos jumentos que transportam areia pode parecer um desfile até certo ponto monótono e triste, mas seus donos são homens alegres, sempre sorrindo e satisfeitos com sua profissão. O rio Cachoeira sem eles certamente perderia muito de sua beleza. É que os areeiros fazem parte da paisagem grapiúna, e o velho Teodoro - o mais antigo de todos - ama o seu rio, o rio que lhe dá sustento e aos seus.

- Quanto ganham?

- Depende. Cada carga de areia de quatro latas custa quase nada e ganha mais quem possui maior tropa de jegues ou jumentos. Um areeiro pode ganhar até 10 contos por dia. Mas, para isto, precisa trabalhar da aurora ao crepúsculo, sem parar, e precisa ter compradores para sua mercadoria, que é a areia cor de chumbo arrancada do fundo do rio, nas épocas em que o Cachoeira está baixo, pois durante as cheias “ele não respeita nem o rico”, como diz Teodoro, O Cachoeira avança desordenadamente e invade as ruas de suas margens, principalmente quando há enchentes (e duas delas ficaram para a história grapiúna), o que levou um poeta popular de Itabuna a dizer em versos:

“Tinha gente que acordava

Naquele grande alvoroço

A água levando tudo

Fazendo o maior destroço

O pobre salvava a vida

Com água pelo pescoço”.

Assim, tempo bom para areeiro é tempo de seca: o rio é manso, as águas correm vagarosamente, é mais fácil arrancar a areia com a pá, que serve também de remo para aqueles que enchem os caíques (canoas) da carga, depositando-a depois na margem do rio, de onde ela é colocada nas latas, formando a carga que será levada pelos passos cadenciados dos jumentos, ora apressados ora lentos.

Infelizes os areeiros? Não. Por incrível que pareça são homens que estão em paz com a vida e com o mundo. De vez em quando aparece um prefeito que tenta atrapalhar o ganha-pão dos areeiros com regulamentos, portarias ou decretos. Mas aqueles homens sabem que existem leis e poderes superiores. Recentemente, o prefeito de Itabuna tentou proibir o trabalho dos areeiros cobrando um imposto muito alto. Eles recorreram à Marinha de Guerra, ali representada por um Sargento, ganharam a questão e, segundo Teodoro, “nós hoje tira areia até debaixo da casa dele, se ele se meter a coisa”.



Assim vivem os areeiros do rio Cachoeira, contribuindo no anonimato para a grandeza de Itabuna, para o seu progresso, para as construções que se erguem, para os prédios novos que os coronéis do cacau começam a levantar na cidade bonita e pujante. 





Fonte: 
Revista O Cruzeiro de 25 de março de 1967.
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*José Leal  foi repórter da revista  O Cruzeiro na década 60.  Venceu  o Prêmio Esso de Reportagem, patrocinado pelo “Jornal de Letras”, Rio,  com o livro As Fronteiras da Loucura. 

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