15/03/2016
O Médico e a Vida: um gesto de Amor!
Ao
Dr. Álvaro Andrade
Manhã de segunda-feira. Por volta das 10:00hs., chega ao
hospital local D. Maria acompanhada de Gracinha, como era conhecida a sua filha
Maria das Graças, de quatorze anos de idade. A mãe era o retrato da
aflição. O olhar revelava tristeza, dor e desgosto profundos. Estava
descontrolada.
Agitada ao extremo. Chorava e aos gritos chamava pelo obstetra
de plantão. Gracinha estava perturbada, atônita, confusa, quase sem ação.
Deixava-se conduzir por sua genitora pelos corredores do nosocômio. Estava
absorvida pelo medo e dominada pela fúria materna. Os enfermeiros que ali se
encontravam buscavam acalmá-la, mas ela estava indócil.
Conduzida à presença do plantonista e, de frente para dele,
face a face, sem que houvesse qualquer diálogo, retirou da bolsa um escrito e o
entregou dizendo-lhe: É urgente!
O médico, à medida que lia o documento, sua expressão facial
se transformava. Afinal, o que estava ali escrito ia de encontro aos seus
princípios éticos e religiosos. Tratava-se de autorização judicial para
retirada do feto.
O conflito apoderou-se de seu ser. Não podia deixar de
cumprir a determinação judicial e, por outro lado, se a cumprisse estaria a
violentar sua consciência.
Envolto nesse dilema, a insistência da genitora da
adolescente na realização imediata do aborto, consumia-lhe a mente e lhe
feria a alma.
Buscando adiar a decisão, tentou acalmá-la pedindo que se
sentasse. Enquanto isso, num cantinho do consultório, acomodava a
adolescente numa maca para examiná-la.
Voltando-se para a genitora, perguntou-lhe o que havia
acontecido? Ela, então, debulhando-se em lágrimas, disse que a sua filha havia
sido violentada pelo padrasto e que dele encontrava-se grávida. Disse-lhe,
também, que o fato foi comunicado à autoridade policial e que ele se encontrava
preso.
Na justiça, confessou ele, despudoradamente, o mal que
houvera feito, acrescentando que agiu sem o consentimento de sua enteada, desvirginando-a antes que outrem o fizesse.
A horrenda confissão lhe
arrancou do peito todo sentimento que por ele nutria.
Foram conviver quando Gracinha contava com dois anos.
Estavam juntos há cerca de dez anos, de cuja união nasceram dois filhos. Daí, o
seu sofrimento, dor e mágoa.
Após ouvir o relato, decidiu pelo cumprimento da ordem
judicial.
A menina chorava na maca. Instintivamente sabia que o seu
filho ser-lhe-ia arrancado do ventre.
Girando a cadeira na direção em que se encontrava a aflita
menina, pensou consigo: “É certo que a gestação decorreu de uma violência
contra àquela menina, mas por que responsabilizar a criança que ela
carrega em seu ventre por um crime que ela não cometeu?
Voltou-se, então, para D. Maria e objetivando
despersuadi-la, argumentou: Antes de dar início aos trabalhos, eu vou
colocar uma música para a Senhora ouvir. É uma música única. É uma música que
fala de Deus, do amor e da vida.
Após ouvi-la, a Senhora irá me dizer se
prossigo ou não, ok?
Ela consentiu.
Com suave ternura, pediu-lhe para fechar os olhos;
relaxar e abrir a alma e espírito.
Aproximou-se da menina e delicadamente pediu-lhe para ficar
calma. Em seguida deu início ao exame de ultrassonografia, deixando o aparelho
em viva voz …
Alguns segundos depois, todos ouviram a música. Era mais ou
menos assim: “tum....tum....tum....tum....tum....tum....tum...tum....tum....tum.... tum...
tum... tum...tum”...
À medida que ouvia a melodia, o semblante da angustiada mãe
se modificava, ficando mais leve … embora os olhos ainda estivessem fechados,
lágrimas deslizavam mansamente no seu rosto...
Alguns minutos se passaram e, ainda com o aparelho ligado, o médico esclareceu: “Essa música que a Senhora está a ouvir é o coração
de seu neto ou neta a pulsar. Ela revela o amor e a bondade de Deus a
oportunizar a um ser humano o dom vida”.
Diga-me, então, desligo ou não a música?
Sorrindo ternamente e com o rosto ainda molhado, ela
respondeu: “meu neto não tem culpa. Deixe-o nascer”.
Enternecido, abraçando-as, em silenciosa oração agradeceu a
Deus por ter lhe permitido salvar mais uma vida.
Antônio Carlos de Souza Hygino
Juiz de Direito
Juiz de Direito
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