Para o menino grapiúna – arrancado da liberdade das ruas e
do campo, das plantações e dos animais, dos coqueirais e dos povoados
recém-surgidos -, o internato no colégio dos jesuítas foi o encarceramento, a
tentativa de domá-lo, de reduzi-lo, de obrigá-lo a pensar pela cabeça dos
outros. A intenção do pai era apenas educá-lo no melhor colégio, o de maior
renome. Não se dava conta de como violentava o filho.
Essa mesma sensação de sufoco, de limitação, eu voltaria a
sentir mais de uma vez no decorrer de minha vida. No desejo de bem servir
causas generosas e justas, aconteceu-me aceitar encargos e desempenhar tarefas
de meu desagrado – durante dois anos, Por exemplo, fui deputado federal, apesar
de não ter vocação parlamentar nem gosto para o cargo. Da mesma maneira, por
idênticos motivos, em certas ocasiões admiti e repeti conceitos, regras e teses
que não eram minhas, pensei pela cabeça dos outros.
No colégio dos jesuítas, pela mão herética do padre Cabral, encontrei nas “Viagens de Gulliver” os
caminhos da libertação, os livros abriram-me as portas da cadeia. A heresia do
padre Cabral era extremamente limitada, nada tinha a ver com os dogmas da
religião. Herege apenas no que se referia aos métodos de ensino da língua
portuguesa, em uso naquela época, ainda assim essa pequena rebeldia revelou-se
positiva e criadora. A heresia é sempre ativa e construtora, abre novos
caminhos. A ortodoxia envelhece e apodrece idéias e homens.
A longa e dura experiência ensinou-me, no passar dos anos, a
importância de pensar pela própria cabeça. Para pensar e agir por minha cabeça,
pago um preço muito alto, alvo que sou do patrulhamento de todas as ideologias,
de todos os radicalismos ortodoxos. Preço muito alto, ainda assim barato.
(O MENINO GRAPIÚNA Cap.15)
Jorge Amado
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