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sábado, 30 de dezembro de 2017

NUMA NOITE ANTIGA DE NATAL – Ariston Caldas

Numa Noite Antiga de Natal


            A noite de Natal seria um bom cenário para o pedido. Ótimo mesmo.

            Júlio Braga pensou assim debruçado à janela, cruzando os dedos, olhando para o pequeno jardim em frente cheio de flores amarelas desabrochadas, havia pouco do amanhecer.

            Ele propusera isso a Isolda e o ato seria em forma de surpresa para seu Clemente e dona Elza, pais da menina,  mesmo sabendo-os difíceis para esse tipo de consentimento. A proposta, logo aceita pela moça, seria uma celebração importante para marcar o primeiro aniversário do namoro deles.

            Júlio juntava o cenário  de acontecimentos novos com ocorrências passadas, lembrava do primeiro encontro, tardinha caindo, o parque de diversão regurgitando de gente, carrossel girando, uma roda-gigante, barraquinhas, auto-falantes, ele no meio, circulando, de olho em Isolda na dita roda-gigante, abismado com as pernas dela abrindo e fechando, sem modo,  mostrando-se desapercebida, cabelo voando pelo vento.

            A proposta dele para  o namoro veio no dia seguinte, aceita por ela depois de muito lenga-lenga. Ele não lhe fazia o tipo desejado – branco demais, lábios finos, cabelo escorrido grudado de vaselina. Mas, moço de futuro, sério, de boa família, educado, bem de dinheiro. Verdade que ela, com somente 13 anos, não ia deslindar essas conceituações advindas de conversa fiada de quem quer que fosse. Como avisar o acontecimento do pedido aos pais de Isolda, particularmente a seu Clemente! Uma parada.

            Bom mesmo seria uma surpresa, tudo ocorrer sem nenhum aviso. O pior era que ele não tinha nenhuma intimidade com os familiares da menina. O Natal aproximava-se, Júlio contava os dias nos dedos, pensativo. E Isolda, meio assustada: “terei condições de casar agora?” Lembrava-se dos estudos, do cabelo liso de Júlio, dos beiços finos, da idade dela, 13 anos. Mas ele era um sujeito digno, de boa família, coisa e tal. Poderia haver, também, a rejeição dos pais dela, mas ainda pela idade, não tanto pela figura do rapaz que tinha boa condição social, participação ativa nos melhores meios do lugar.

            Quem achou a solução para o problema foi Susana, amiga de Isolda e da família dela. Susana entraria de braço dado com Júlio e o apresentaria aos pais de Isolda, explicando o objetivo da estranha visita. Júlio aceitara a ideia, Isolda, também.

            Chegou o dia, chegou a noite de Natal. Os pais de Isolda, como se soubessem do acontecimento do pedido, iluminaram a residência de ponta a ponta; montaram um presépio e prepararam uma ceia invejável; convidaram parentes e amigos. Isolda, sabendo de tudo, vestiu um conjunto chique, calçou sapatos novos e fez um penteado exuberante.

            Próximo à ceia e à missa, Júlio apareceu na porta da rua, de braço dado com Susana. Uma surpresa para seu Clemente, para dona Elza, não pela presença de Susana, mas pela cara de Júlio, sujeito quase desconhecido ou pelo menos sem  nenhuma intimidade com a família, mesmo namorando com Isolda; mas era uma amizade de encontros espaçados, pelos jardins, nas esquinas, ele nem chegava na ponta  do passeio de seu Clemente. Susana, sim, fora convidada. Isolda assustou-se, chegou a ficar pálida, amuando-se a um canto da sala, sem acreditar no que via, imaginando no que ia dar aquela encrenca. Noivar, 13 anos. Os estudos!

            Novamente Natal. Júlio Braga olhava, agora, umas nuvens vermelhas ofuscando o sol que se escondia. Faltava uma semana. “Será que a missa var ser com chuva?” Indagava-se debruçado à janela de outra casa em outro lugar, sem o jardim em frente com flores amarelas; os dedos cruzados, grossos, cabeludos nas juntas. Onde andaria Isolda? 13 anos naquele tempo, dentro de um conjunto vaporoso, penteado exuberante;  numa roda-gigante, as pernas abrindo e fechando, sem modo. Seu Clemente disse não ao pedido, sisudo, sangue subindo, irritado, bruto. Dona Elza retraiu-se, obediente, silenciosa, entrou para  um quardo onde devera ter chorado algumas lágrimas.

            Júlio envelheceu e não casou; as pernas encurvaram formando um arco, os pés balofos nuns chinelões esparrados, o cabelo escorrido de antigamente, sumiu, dando lugar a uma calva imensa alumiando sem auxílio de vaselina. Ele lembrava, de súbito, desse passado distante, conferindo-o com o presente, perdendo-se entre conjecturas. Tudo aflorou, assim, ao ouvir uma música de Natal repetida nem sabia quantas vezes através do tempo retratando Isolda com treze anos, seu Clemente, dona Elza que teria chorado trancada num quarto, depois da bronca do marido. Eram figuras ofuscadas por meio século, como se fossem personagens de uma estória de ficção.

            Olhou novamente para a vermelhidão do céu enquanto as imagens iam sumindo de sua cabeça, uma a uma, como sombras.


(LINHAS INTERCALADAS)
Ariston Caldas

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Ariston Caldas nasceu em Inhambupe, norte da Bahia,  em 15 de dezembro de 1923. Ainda menino, veio para o Sul do estado, primeiro Uruçuca, depois Itabuna. Em 1970 se mudou para Salvador onde residiu por 12 anos. Jornalista de profissão, Ariston trabalhou nos jornais A Tarde, Tribuna da Bahia e Jornal da Bahia e fundou o periódico Terra Nossa, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia; em Itabuna foi redator da Folha do Cacau, Tribuna do Cacau, Diário de Itabuna, dentre outros. Foi também diretor da Rádio Jornal.

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