Mauro Pimentel/Folhapress
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O ex-procurador Marcello Miller na sede da Procuradoria
Regional da República da 2ª Região, no Rio
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22/10/2017
Em 2003, deixei a carreira diplomática para me juntar ao
Ministério Público e ser parte de seu impulso transformador.
No MPF, tive a honra de integrar, de fevereiro de 2015 a
julho de 2016, o grupo de trabalho que auxiliava o procurador-geral da
República na Operação Lava Jato.
Depois da Lava Jato, que auxiliei pela última vez em outubro
de 2016, o mesmo gosto pelo desafio que me levou para o MPF me fez pensar em
novos ares. Não fui para a iniciativa privada para ficar rico -e não fiquei.
Havia, sim, boa perspectiva financeira. Mas havia, além disso, a oportunidade
ímpar de participar de grandes projetos de compliance (conformidade com boas
práticas) em escala mundial.
A propósito de carta do senhor presidente da República aos
senhores deputados e senadores com referência a meu nome, esclareço os
seguintes pontos:
A J&F precisava de remediação urgente, e minha saída do
MPF atraiu sua atenção. Mas não deixei o MPF para atendê-la, ou teria aceitado
a proposta para ser seu diretor global de compliance.
Nem a orientei a contratar tal ou qual escritório: o
trabalho era complexo, especializado e envolvia mais que negociar acordos com
autoridades, exigindo investigação interna e revisão geral do programa de
compliance. A escolha ia bem além de mim.
Depois de pedir exoneração do MPF, mas antes de seus
efeitos, estive múltiplas vezes com executivos da J&F. Essencialmente,
recebi informações sobre o grupo. O convite para que me integrasse a ele também
foi pauta constante.
Além disso, discutimos o projeto de remediação da J&F.
Respondi a perguntas sobre estimativas de prazo, sobrevida empresarial,
confiabilidade das instituições e harmonização de tratativas entre jurisdições.
Perguntas gerais e respostas abertas, porque era um processo de construção de
confiança.
Pelo caráter episódico, preparatório e não remunerado dessa
interação, tenho convicção de que não incorri em irregularidade. Consultoria
jurídica é atividade profissional remunerada e de escopo definido, com
respostas precisas para questões específicas, ou não passaria de um conjunto de
palpites.
Minha atuação seria voltada para as pessoas jurídicas, e a
face negocial desse trabalho seria o acordo de leniência. Para assessorar seus
executivos em colaboração premiada, a J&F contava com criminalistas. Alguma
pergunta que me tenha sido feita sobre o assunto não invalida o que precede.
Nunca orientei ninguém, em minha vida profissional, a gravar
conversas. O que sempre disse é que relatos de colaboradores devem ser baseados
em provas.
Participei de tratativas de colaboração premiada, inclusive
na Operação Lava Jato, em que colaboradores, sem apresentar gravações, provaram
seus relatos por outros meios. E não participei de acordos em que colaboradores
se valeram de gravações, como os de Durval Barbosa, César Romero e Silval
Barbosa.
A J&F nunca me ofereceu nem me pagou um centavo. Ofereceu-me
um emprego, que não aceitei. Não fui remunerado pelo tempo que passei com
seus executivos antes de minha exoneração. Não poderia nem aceitaria ser.
Nunca transmiti informação sigilosa para a J&F nem
exerci, no MPF, nenhuma atribuição relativa a ela. Estava com exoneração pedida
e divulgada durante os contatos com seus executivos, em férias na maior parte
do período e espontaneamente fora de grupos de trocas de mensagens entre
procuradores. Corruptos fazem o contrário: procuram inserção e informação, para
terem o que vender.
Fala-se, a meu respeito, em "jogo duplo". Mas isso
só ocorreria se eu tivesse atuado em duas pontas antagônicas. Não era o caso:
nunca atuei na J&F pelo MPF; o que estava fazendo com a empresa era
incentivá-la a ficar limpa. Isso é intrinsecamente moral e convergente com
qualquer leitura do interesse público. É leviana a hipótese de que eu estivesse
atuando pelo MPF ao interagir com a J&F.
Não faria sentido que, já com a exoneração pedida, eu
aceitasse desempenhar função para a PGR fora de minhas atribuições ordinárias,
como um "agente secreto". Esses contatos tiveram caráter privado, em
preparação de atividade que eu viria a desempenhar em favor da empresa.
Quanto às questões que afligem o senhor presidente da
República, nunca fui "braço direito" de Rodrigo Janot, muito menos
seu auxiliar mais próximo. O Grupo de Trabalho da Lava Jato tinha
coordenadores, função que nunca desempenhei; nenhum de seus integrantes podia
atuar sozinho; e meu relacionamento com Janot era funcional, com muito pouco
convívio social.
A quarentena proíbe ex-membro do MP de advogar perante o
juízo do qual se afastou por exoneração. Quando deixei o MPF, tinha lotação e
exercício na Procuradoria da República no Rio de Janeiro, com atribuição para
quatro Varas Federais Criminais. Não foi nesse âmbito que se negociaram os
acordos da J&F.
Percebo, em retrospecto, que foi um grave erro de avaliação
participar do projeto de remediação da J&F e, mais ainda, me antecipar,
ainda que em caráter preparatório, aos efeitos da exoneração. Isso facilitou
percepções equivocadas, hipóteses precipitadas e teses cerebrinas. Peço
desculpas.
Mas reafirmo: não
delinqui; não fui ímprobo; não traí a instituição a que tanto dei de mim.
Por todo o tempo em que dialoguei com a J&F, tive presentes as regras que
sempre regeram minha atuação e minha vida. Estou seguro de que as preservei.
MARCELLO MILLER é advogado e ex-procurador da República
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