Grito dos excluídos
Há décadas o 7 de
setembro, data da independência do Brasil em relação à coroa portuguesa, é
comemorado pelas pastorais sociais de Igrejas cristãs e movimentos sociais de
nosso país como o dia do Grito dos Excluídos.
Os temas variam de ano
a ano, embora haja íntima conexão entre eles. Este ano é a democracia e a
defesa dos direitos dos trabalhadores, que no Brasil andam capengas. Somos
governados por um executivo que retrocede direitos historicamente conquistados,
e cujas principais figuras estão convocadas a sentar no banco dos réus e
responder pelos graves crimes de que são acusados.
Somos governados por um
legislativo que majoritariamente atua de costas para os seus eleitores, já que
95% da população desaprova o governo Temer e 81% considera que o presidente
deveria responder pelos crimes que lhe pesam aos ombros perante a suprema corte
do país.
Somos governados por um
judiciário que se agarra como carrapato às mais aberrantes mordomias, recebe
vultosos salários engordados por penduricalhos, e pratica com frequência o
nepotismo (parentes e amigos não merecem cadeia).
A democracia brasileira
exclui o acesso de todos ao bem-estar, já que temos 14 milhões de
desempregados, 60 milhões de pessoas endividadas e 63 milhões de trabalhadores
que ganham por mês menos de dois salários mínimos, dos quais 47 milhões ficam
com menos de um.
Nossa economia não
prioriza a inclusão social, e sim o crescimento do PIB. Prefere a especulação à
produção. A exclusão econômica e social faz do Brasil uma das nações mais
desiguais do mundo. Nas relações pessoais, a exclusão se manifesta no racismo,
no machismo, na homofobia, e esta modalidade demoníaca que consiste em
discriminar e agredir quem abraça uma prática religiosa diferente da minha.
A exclusão se estende
até mesmo à natureza, vilipendiada em função dos interesses do capital, como o
comprova o desmatamento da Amazônia, a poluição de nossos rios e mares, a
impunidade de graves crimes ambientais como o provocado pela Samarco no Vale do
Rio Doce.
Há muitas formas de
exclusão. A social, que retalha a população em classes objetivamente
antagônicas; a cultural, indiferente às expressões artísticas das esferas
populares; a semântica, que por ofensas introduz a divergência onde deveria
haver apenas diferença.
Hoje, muitos europeus
se sentem incomodados com a chegada de refugiados cujos países, durante
décadas, foram saqueados e oprimidos pelas potências europeias. Trump promete
erguer um muro entre o seu país e o México, sem admitir que a extensão
territorial dos EUA resulta da anexação do Texas, em 1845 e, logo em seguida,
do Novo México e da Califórnia.
Que tipo de gente eu
não suporto? A resposta a esta pergunta aponta quem são aqueles que excluo ou
apoio quem os exclui. Há exclusões violentas, como as praticadas pelos adeptos
da Ku Klux Klan e os assassinos de homossexuais; exclusões preconceituosas,
como a de brancos que se julgam superiores aos indígenas; e a auto exclusão de
quem cruza os braços ou se entrega à apatia e à indiferença diante de crises
como a que o Brasil atravessa.
O protótipo da prática
da não exclusão ou da solidária inclusão, sem nenhuma atitude de preconceito ou
discriminação, foi Jesus de Nazaré. Acolheu o cego, o coxo, o hanseniano, e
proclamou que todo ser humano é templo vivo de Deus. Acolheu o centurião romano
que professava o paganismo; a samaritana que tivera cinco maridos e, agora,
vivia com um sexto homem; a prostituta que lhe perfumou os pés e os enxugou com
os cabelos.
Jesus acolheu pecadores
e enfermos, ricos como Zaqueu e pobres como Bartimeu, o cego que mendigava à
entrada de Jericó. Não acolheu, contudo, os promotores da exclusão, como os
religiosos moralistas; o governador Herodes Antipas, corrupto e assassino; o
homem rico que se recusou a partilhar seus bens com os necessitados.
Data cívica, o 7
de setembro mereceria ser a festa de uma democracia inclusiva, na qual o
desfile das forças armadas fosse substituído por uma grande manifestação cívica
das forças amadas.
Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes),
entre outros livros.
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