por Tatiana Nicz
“Seja como você é. De maneira que possa ver quem é. Quem é e como é. Deixe por um momento o que deve fazer e descubra o que realmente faz. Arrisque um pouco, se puder. Sinta seus próprios sentimentos. Diga suas próprias palavras. Pense seus próprios pensamentos. Seja seu próprio ser. Descubra. Deixe que o plano pra você surja de dentro de você.” Fritz Perls
“Seja como você é. De maneira que possa ver quem é. Quem é e como é. Deixe por um momento o que deve fazer e descubra o que realmente faz. Arrisque um pouco, se puder. Sinta seus próprios sentimentos. Diga suas próprias palavras. Pense seus próprios pensamentos. Seja seu próprio ser. Descubra. Deixe que o plano pra você surja de dentro de você.” Fritz Perls
Pertencimento é uma necessidade vital, somos seres sociais,
dependemos do outro para existir. Nada disso é novidade. Mas, tenho
constantemente me perguntado: Qual parte minha devo alienar a fim de pertencer
a um determinado grupo? Quais são as vozes que ficam caladas para que eu possa
me sentir amada?
“Saúde é um equilíbrio apropriado da coordenação de tudo
aquilo (e aqueles) que somos” dizia Fritz Perls, um dos principais nomes da
Gestalt-terapia. Na visão gestáltica, possuímos um organismo completo e
inteligente que se autoregula de acordo com o meio em que está inserido. E é
através desse processo de autoregulação que desenvolvemos determinados padrões
de comportamento em resposta ao que o meio exige de nós, e que alienamos
importantes partes nossas (e às vezes menos “populares”).
As muitas regras sociais e morais, a organização de nosso
sistema familiar, os ambientes e pessoas em nosso redor, e tantos outros
fatores, compõem as diversas crenças e introjetos que ao longo dos anos moldam
nosso comportamento. Nossa grande tragédia está no fato de que quanto mais nos
moldamos (a fim de sermos aceitos), mais partes nossas são alienadas e menos
autênticos nos tornamos. Dessa forma, aniquilamos pedaços importantes de tudo
que nos torna o que somos: únicos e irrepetíveis. E anulamos nossa melhor parte,
nossa essência.
Perls dizia que estamos sempre representando um papel,
manipulados ou manipulando o meio em prol de alcançar o que desejamos e de
suprir nossas necessidades mais latentes. Essas representações existem em maior
e menor grau, dependendo do nível de consciência e autoconhecimento de cada um.
A representação de um papel significa que minhas respostas não são espontâneas
e honestas; que estou constantemente suprimindo meu querer mais irracional e
visceral. Pois, nem sempre podemos explicar nossos desejos de maneira lógica,
mas para os valores morais da sociedade o que não pode ser logicamente
explicado, ou justificado, não pode ser validado. Assim viro plágio, engesso
minhas respostas, copio minhas ações. Quanto mais cristalizado é meu comportamento,
menos autêntico sou.
A Gestalt-terapia entende toda resposta não autêntica como
neurótica.
Nesse contexto as redes sociais atuam como amplificadores de
uma vida anunciada, ensaiada e editada. Na internet podemos representar nosso
melhor papel, mais ainda, aprimorá-lo. Esses papéis virtuais são perigosos
porque endossam uma narrativa romântica de felicidade fácil e de perfeição, de
relacionamentos desprovidos de grandes conflitos e negociações. A rede permite
ensaios, filtros e edições que a vida real não permite. E uma vida ensaiada não
é apenas caluniosa, como também bloqueia o fluxo criador e transformador que
podemos devolver ao mundo. Ela nos priva de viver com prontidão, improviso,
espontaneidade e (muita) imperfeição. Ela nos priva da liberdade de sermos quem
de fato somos.
Anunciamos nossos passos, nossas melhores experiências, onde
estamos, com quem estamos. Nas redes cabe nosso eu inteligente, solidário,
justo, ativista, alegre, bem sucedido. Gritamos nossas revoltas diante das
injustiças do mundo, nossa fé e esperança de um futuro melhor. Tudo
meticulosamente pensado para caber no olhar alheio. E mesmo quando dividimos
nossas dores, são dores editadas, aquelas que podem ser acolhidas pelo olhar
compassivo do outro. Dessa maneira, só me arrisco a compartilhar o que de certa
forma pode ser aceito e validado pelo outro. E quando isso não acontece, tenho
a opção de deletar. É preciso cautela ao equilibrar e dosar o uso que fazemos
dos canais virtuais.Pois, é muito fácil e sedutor buscar reconhecimento e
acolhimento através deles. Tanto quanto é vazio e ilusório.
Nunca estivemos tão conectados, nem tão solitários.
Uma vida anunciada é desprovida de contato real e de
intimidade. E a intimidade é o que de fato nos desnuda e nos conecta em um
nível muito mais profundo e verdadeiro.
Quando me privo de viver com prontidão, quando não me utilizo dos recursos que tenho e da expressão de minhas emoções de maneira instantânea e espontânea, sou apenas mais um personagem. E assim, aos poucos, minha vida anunciada e encenada me torna mais cristalizada, neurótica e solitária.
Quando me privo de viver com prontidão, quando não me utilizo dos recursos que tenho e da expressão de minhas emoções de maneira instantânea e espontânea, sou apenas mais um personagem. E assim, aos poucos, minha vida anunciada e encenada me torna mais cristalizada, neurótica e solitária.
As palavras de Perls nos lembram como é libertador o
trabalho de tomada de consciência, ainda que custoso. “Eu acredito que esta é a
grande coisa a ser compreendida: a tomada de consciência em si – e de si mesmo
– pode ter efeito de cura”, escreveu ele. Esse é um trabalho interno que deve
ser feito em silêncio e longe dos holofotes.
Quando criamos consciência de nossos processos podemos
elaborar respostas mais imediatas e autênticas aos nossos conflitos e integrar
partes importantes nossas que foram censuradas. Podemos viver com prontidão e
sem ensaios. Só assim seremos completos, só assim estaremos em paz e
devolveremos algo inteiramente único para o mundo. Sim, ser autêntico requer
muita coragem e um caminhar solitário e vulnerável. Mas, quem o faz vive uma
vida em liberdade de ser quem se é; devolve ao mundo calor, víscera e pulso.
Afinal, não é isso que chamamos de vida?
Apenas uma garota em processo de des(re)construção.
* * *
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