Os anos de aprendizado
Eu vinha de uma infância nas terras bravias do cacau,
assistira ao drama da conquista da selva, ouvira a voz dos advogados nos júris
dos coronéis de toda audácia, ainda infante fora banhado pelo sangue de meu pai
ferido numa tocaia. Traduzia dentro de mim os ecos da grande epopeia e também
os lamentos lancinantes dos trabalhadores curvados nas rocas, numa vida de
bestas de carga.
Os anos de adolescência na liberdade das ruas da cidade do
Salvador da Bahia, misturado ao povo do cais, dos mercados e feiras, nas rodas
de capoeira e nas festas dos candomblés e no átrio das igrejas centenárias,
foram minha melhor universidade, deram-me o pão da poesia, que vem do
conhecimento das dores e das alegrias de nossa gente. Ao rememorar esse tempo,
posso medir e pesar a infinita compreensão, a paciência do coronel João Amado
de Faria, conquistador de terra e plantador de cacau, e de dona Eulália Leal
Amado, sua esposa, que muitas vezes dormiu com a repetição ao lado do leito
como ainda hoje ama contar. Como todos aqueles rudes desbravadores, eles
desejavam ver o filho feito doutor, advogado, médico ou engenheiro. E o filho
desprezava os manuais de estudo para atirar-se à vida, procurar a redação dos
jornais, escrever inconsequências em pequenas revistas de limitada duração.
Souberam eles compreender e confiar e, se alguma coisa realizei de perdurável a
eles devo, à sua constante e comovente solidariedade.
A eles e ao povo de meu Estado. Com o povo aprendi tudo
quanto sei, dele me alimentei e, se meus são os defeitos da obra realizada, do
povo são as qualidades porventura nela existentes. Porque, se uma qualidade
possui, foi a de me acercar do povo, de misturar-me com ele, viver sua vida,
integrar-me em sua realidade. Seja no mundo heroico e dramático do cacau, seja
no oleoso mistério negro da cidade de Salvador da Bahia.
Penso, assim , poder afirmar que chego à vossa ilustre
companhia pela mão do povo, pela fidelidade conservada aos seus problemas, pela
lealdade com que procurei servi-lo tentando fazer de minha obra arma de sua
batalha contra a opressão e pela liberdade, contra a miséria e
subdesenvolvimento e pelo progresso e pela fartura, contra a tristeza e o
pessimismo, pela alegria e confiança no futuro. Segundo a lição da literatura
baiana, fiz de minha vida e de minha obra uma coisa única, unidade do homem e
do escritor, aprendida na estrela maior do céu baiano, o poeta Castro Alves,
estrela matutina da liberdade, estrela vespertina dos ais de amor.
(TRECHO DO DISCURSO DE POSSE NA ABL)
Jorge Amado
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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da
ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido
pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os
Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.
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