5 de julho de 2017
Por Percival Puggina
No Brasil, a violência política se faz visível em dois
níveis de radicalização. Num, há a perda da noção de limites; o discurso se
exaspera, os poderes e seus membros se retaliam verbalmente, xingamentos agitam
as redes sociais, a verdade apanha e a razão é posta à prova. Noutro, tem-se
algo mais perigoso. Refiro-me à violência que nasce da ideologia, que não
ocorre em assomos de indignação, nem se manifesta naqueles momentos em que o
sangue ferve e as estribeiras são perdidas. Trata-se de algo fora dos
parâmetros pelos quais se orientam pessoas normais.
Ao entender isso começa-se a compreender a razão pela qual,
sem quê nem porquê, certos grupos passam a incendiar ônibus, a dar “voadoras”
nas vitrinas e a disparar rojões contra a autoridade policial. Mauro Iasi
citando Brecht, Guilherme Boulos e João Pedro Stédile com seus exércitos, falam
por eles.
Em 1968, o general vienamita Vo Nguyen Giap, em artigo
publicado em “El hombre y el arma”, escreveu (tradução de Igor Dias): “… os
revisionistas contemporâneos e os oportunistas de direita do movimento
comunista e do movimento operário seguem vociferando sobre ‘paz’ e
‘humanitarismo’; não se atrevem a mencionar a palavra ‘violência’. Para estes,
a violência é um tabu. Temem esta assim como a sanguessuga teme o cal. O fato é
que negam a teoria marxista-leninista sobre o papel da violência na história”.
Mais adiante, lecionará o general: “Os comunistas expõem o papel histórico que
cumpre a violência não porque sejam ‘maníacos’ por esta, mas sim porque é uma
lei que rege o desenvolvimento social da humanidade. Não poderá triunfar
nenhuma revolução e nenhum desenvolvimento da sociedade humana sem entender tal
lei.”
Para Marx a violência é a parteira de toda velha sociedade
que leva em seu seio outra nova. Assim, ela acompanha a ação política de tantas
referências da esquerda brasileira, começando, entre outros, pelos nossos
patrícios Prestes, Marighela, Lamarca; e vai importando seus bandidos – Fidel
Castro, Che Guevara, Tiro Fijo e por aí afora. Se há acusação que não se pode
fazer a qualquer desses senhores é a de prezarem a democracia, seus valores e
suas regras. Assim também se explicam 100 milhões de mortos com vistas ao tal
“desenvolvimento social da humanidade”. Fala-me de teus amores e te direi quem
és.
Para pôr freio nesses desequilibrados e em seus
desequilíbrios, a democracia se afirma, aos povos, no horizonte das
possibilidades. “Mas não se faz democracia sem democratas”, disse alguém, com
muita razão. A democracia é um sistema e uma filosofia. Uma boa democracia
exige que ambos sejam bons e andem juntos. O sistema é definido pelas regras do
jogo político, ou seja, pelo conjunto de normas que legitimam a representação
popular, regem eleições, determinam atribuições aos poderes, e definem o modo
segundo o qual as leis são elaboradas, aprovadas e aplicadas. A filosofia é
marcada por um conjunto de princípios e valores elevados, honestamente buscados
e socialmente ratificados.
Sem a filosofia, o sistema pode dar origem a toda sorte de
abusos, entre eles a ditadura da maioria. Sem o sistema, a filosofia pode
descambar para a anarquia, ou para a ditadura da minoria, posto que faltarão os
instrumentos de legitimação conforme a vontade social. Defender insistentemente
o constitucionalismo e promover os princípios e valores que inspiram o regime
democrático é a melhor proteção contra as perversões que se expressam pela
violência. Não chegamos lá, mas tudo pode piorar. A Venezuela existe e é logo
ali. Cuidado, pois.
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