Arte/UOL
"Silvio Santos não vem aí." A manchete do jornal
"Diário Popular" (rebatizado em 2001 como "Diário de São
Paulo") de 10 de novembro de 1989 utilizava o bordão do apresentador para
noticiar a decisão unânime tomada um dia antes pelos ministros do TSE (Tribunal
Superior Eleitoral). E assim era encerrada a candidatura que abalou, em apenas
dez dias, as eleições presidenciais daquele ano.
Tido como histórico pelo próprio TSE, o julgamento correu
rapidamente pela proximidade com a data do primeiro turno --as eleições eram
realizadas em 15 de novembro.
Antes, em outra decisão marcante da corte, o tribunal já
havia liberado os delegados que votariam na eleição presidencial indireta de
1985 a escolherem candidatos de outras legendas --o que foi determinante para a
derrota de Paulo Maluf (PDS) para Tancredo Neves (PMDB) e, consequentemente,
decisivo também para o fim da ditadura. Depois, barrou a candidatura de Fernando
Collor à Presidência em 1998, seis anos após ter sofrido impeachment.
Nas três situações, todas as decisões foram unânimes e
tomadas em apenas um dia. Os pareceres sobre a fidelidade partidária e a
candidatura de Silvio Santos duraram em torno de três horas; o sobre Collor, 20
minutos.
É candidato ou não é?
Silvio Santos resistiu de 31 de outubro a 9 de novembro como
presidenciável pelo pequeno PMB. A articulação envolvia o então presidente José
Sarney (PMDB) e parte do PFL (hoje DEM). Ele substituíra o "nanico"
Armando Correa, pastor da Assembleia de Deus que tinha direito a cinco minutos
na TV, graças ao único senador mantido pelo partido no Congresso, Ney Maranhão
(PB) .
Cartaz da campanha de Sílvio Santos
Nos dias em que Silvio manteve a candidatura, 17 ações de
impugnação foram apresentadas à Corte Eleitoral. Mesmo assim, o dono do SBT foi
a estrela, por cinco dias, dos programas do PMB --cujo jingle era uma
adaptação de "Silvio Santos vem aí", sua marca registrada.
Coube ao advogado da coligação do candidato líder nas
pesquisas, Fernando Collor de Mello (PRN), Celio Silva, apresentar a denúncia
mais contundente. O pedido foi apresentado em 6 de novembro e demorou três dias
para ser julgado. Silva pedia a exclusão do PMB por não cumprir as exigências
legais de funcionamento --a legenda, articulada em 1985, funcionava com
registro provisório, que perdera a validade em 15 de outubro. O partido pedira
o registro definitivo, que seria concedido mediante a confirmação de diretórios
estaduais em ao menos dez Estados. Havia, no entanto, irregularidade em seis localidades
(Distrito Federal, Paraíba, Rio de Janeiro, , Bahia, Amapá e Roraima.
Em decisão unânime, em 9 de novembro, o TSE considerou que o
PMB não havia realizado o número mínimo de convenções regionais exigidas por
lei, e a candidatura foi impugnada --a tese era a de que não existem candidatos
sem partidos , e o PMB não existia.
Quatro juízes ainda entenderam que o apresentador não
poderia postular à Presidência por ser dono de rede de TV. O anúncio do
indeferimento foi feito em cadeia de rádio e TV pelo então presidente do TSE e
ministro do STF, Francisco Rezek, no dia seguinte. "A inelegibilidade não
desabona ninguém", disse, ao fim do julgamento.
"A inelegibilidade não desabona ninguém"
Francisco Rezek, presidente do TSE, após o julgamento sobre
a candidatura de Silvio Santos
Com a eleição de Fernando Collor, Rezek seria nomeado
ministro das Relações Exteriores. Ficaria no cargo até abril de 1992, quando
seria reconduzido ao STF (Supremo Tribunal Federal) pelo próprio Collor.
A debandada que derrubou a ditadura
A convenção nacional do PDS --partido de sustentação do
regime militar e que, depois de uma série de mutações e fusões, tem hoje como
sucessor o PP-- foi a primeira amostra de que os anos de chumbo viviam
seus últimos dias. Realizada no dia 11 de agosto de 1984, foi vencida pelo
ex-governador Paulo Maluf, dono de 493 votos, contra 350 do ministro do
Interior, coronel Mário Andreazza. A candidatura de Maluf não era unânime entre
os pedessistas, e no dia seguinte o candidato da oposição, Tancredo Neves
(PMDB), já contabilizava 66 votos de dissidentes para o pleito indireto de 15
de janeiro de 1985. O temor de a debandada significar a derrota de Maluf --e,
por consequência, o fim de 21 anos de regime autoritário-- fez o PDS entrar com
uma ação no TSE ameaçando de expulsão quem votasse contra a orientação do
partido.
Jorge Araújo/Folhapress
Maluf durante a campanha presidencial de 1984
A resposta foi a de que a diretriz partidária não era
suficiente para obrigar o voto em candidato apontado pela convenção --e que os
votos que elegeriam Tancredo poderiam ser dados a candidatos registrados por
outro partido político. "Não pode partido político fixar, como diretriz partidária,
a ser observada pelo parlamentar a ele filiado, membro do Colégio Eleitoral, a
obrigação de voto em favor de determinado candidato", afirma a ata
assinada pelo então presidente do TSE, Rafael Mayer, e o relator Néri da
Silveira.
"Havia um dispositivo de fidelidade partidária, mas o
Colégio Eleitoral era uma assembleia de eleitores", afirma Néri da
Silveira, hoje com 85 anos e morando em Porto Alegre (RS). "Dei um voto
longo no acórdão. Na hora do voto, o parlamentar não era um membro do partido,
mas parte de todo o eleitorado. Cada um deveria ter a plena liberdade de votar,
e foi essa a tese que prevaleceu. E com base nela se deu a eleição do
Tancredo.”
O mineiro venceria no Colégio Eleitoral com 480 votos,
contra 170 dados para Paulo Maluf.
"O sistema e a Constituição não vinculam o magistrado a
quem os indica. Ele vai votar pela Constituição ou pela convicção. A mesma
circulação de notícias que existe hoje havia naquela época: que a decisão seria
na linha da Presidência, do candidato apoiado pelo governo. Era uma tese no
direito saber se no TSE vingava a vinculação partidária. E o julgamento se deu
dessa forma", afirma Néri da Silveira, que, indicado pelo general João
Baptista de Figueiredo em 1981, votou contra os interesses de Maluf, candidato
indicado pelo general.
"A mesma circulação de notícias que existe hoje
havia naquela época: que a decisão seria na linha da Presidência, do
candidato apoiado pelo governo. Era uma tese no direito saber se no TSE vingava
a vinculação partidária"
José Néri da Silveira, ex-ministro do STF e do TSE,
sobre o julgamento da vinculação partidária no Colégio Eleitoral de 1985
A última tentativa de Collor
No desfecho do processo de impeachment em 1992, o
ex-presidente e hoje senador Fernando Collor de Mello renunciou ao mandato
antes que o Senado decidisse pela cassação, o que o impediria de disputar
cargos políticos nos oito anos seguintes. Sem poder julgar o impeachment, a
Casa votou pela inabilitação do político para o exercício de função pública por
oito anos.
Foto Jorge Araújo/Folhapress - 14.set.2006
O ex-presidente Collor em campanha
É inconcebível que alguém que não possa exercer função
pública concorra à Presidência da República
Eduardo Ribeiro, ministro do TSE, sobre a tentativa de
Collor ser candidato em 1998
Em 1998, Collor tentou novamente ser candidato, valendo-se
do argumento de que a inabilitação de exercício de função pública não
implicaria a impossibilidade de exercer mandato eletivo. O Ministério Público
Eleitoral pediu a impugnação da chapa, e o TSE seguiu a orientação em um
julgamento relâmpago --que durou 20 minutos, incluindo os dez destinados à
defesa do ex-presidente.
A decisão, unânime, foi assinada pelo então presidente da
corte, Ilmar Galvão. "É inconcebível que alguém que não possa exercer
função pública concorra à Presidência da República", afirmou na ocasião o
relator do pedido de cassação da candidatura, ministro Eduardo Ribeiro.
"Todo ministro tem que ser técnico no julgamento e
aplicar a lei ao fato. Isso é uma postura técnica", afirmou o
ex-presidente da corte ao UOL. À época, Galvão acumulava a chefia do
TSE e a vaga de ministro do STF, a exemplo do que ocorre hoje com o ministro
Gilmar Mendes.
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