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quinta-feira, 22 de junho de 2017

COISAS DA VIDA - Clarice Lispector


Coisas da vida 


Já escondi um amor com medo de perdê-lo, já perdi um amor por escondê-lo.

Já segurei nas mãos de alguém por estar com medo, já tive tanto medo ao ponto de não sentir minhas mãos.

Já expulsei pessoas que amava da minha vida, já me arrependi por isso....

Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos...

Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem....

já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amavam...

Já passei horas na frente do espelho, tentando descobrir quem sou, já tive certeza de mim, ao ponto de querer sumir ...

Já menti e me arrependi... já falei a verdade e também me arrependi...

Já fingi não dar importância as pessoas que amava, para mais tarde chorar quieta em meu canto...

Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir...

Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam...

Já tive crises de risos quando não podia...

Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns, outras vezes falei o que não pensava para magoar outros. Já fingi ser o que não sou para desagradar outros...

Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.

Já gritei quando devia calar, já calei quando devia gritar...

Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz...

Já inventei histórias de final feliz, para dar esperança a quem precisava...

Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade...

Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho, me agacho, fico ali"...

Já caí inúmeras vezes, achando que não iria me reerguer, já me reergui inúmeras vezes, achando que não cairia mais...

Já liguei para quem não queria, apenas para não ligar para quem realmente queria...

Já corri atrás de um carro, por ele levar alguém que eu amava embora.

Já chamei pela mãe no meio da noite, fugindo de um pesadelo, mas ela não apareceu e foi um pesadelo maior ainda...

Já chamei pessoas próximas de "amigo", e descobri que não eram, algumas pessoas nunca precisei chamar de nada, e sempre foram e serão especiais para mim...

Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração!...

Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!...

Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras.

Não sei voar com os pés no chão...

Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre...

Com o tempo aprendi que o que importa não é o que você tem na vida, mas QUEM você tem na vida...

E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.

Gosto de cada um de vocês de um jeito especial e único...

Clarice Lispector
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Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, de pais russos, no ano de 1925 e emigrou com a família para o Brasil no ano seguinte, nunca mais voltaria à pequena aldeia de Tchetchenillk em que nascera. Fixaram-se no Recife, onde a escritora passou a infância. Depois da morte de sua mãe, quanto tinha 12 anos, ela mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, já tendo esboçado seus primeiros contos.
Ingressou no curso de direito, formou-se e começou a colaborar em jornais cariocas. Em 1943 casou-se com um colega de faculdade e, no ano seguinte ao de seu casamento, publicava seu primeiro livro, “Perto do coração selvagem” e, com apenas 19 anos de idade, pode assistir a enorme repercussão com o público e com a crítica de seu estilo, diferente de tudo o que se fizera até então. Sendo seu marido diplomata de carreira, Clarice viveu fora do Brasil por cerca de quinze anos, onde pôde dedicar-se exclusivamente a escrever.
Depois de separar-se do marido, já de volta ao Brasil e morando no Rio de Janeiro soube que sofria de câncer generalizado. Morreu em dezembro de 1977, na véspera de seu aniversário, como uma das mais importantes vozes da literatura brasileira.

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