Total de visualizações de página

quinta-feira, 22 de junho de 2017

BAIRRO PERNAMBUÉS: TERRITÓRIO FUNDADO PELOS QUILOMBOLAS DO CABULA

Por Davi Nunes 

Talvez o mar de casas com blocos nus, sem reboco, com telhas de Eternit, ou laje, em confluir de vielas e ruas não tenham mais o conforto dos mocambos passados, os quais tinham em seus quintais as árvores soprando a sabedoria dos antepassados divinizados no ouvido. Talvez a periferia com seu fluir frenético de aglomeração de multidões, com meninos perdidos por força da opressão nos enrolos sistemáticos do tráfico, não tenha a força política e revolucionária que havia no quilombo, mas ainda sei que há o germe, o afã inicial dos guerreiros quilombolas que bateram de frente com a escravidão. Por isso escrevo para tentar restaurar, isso, nesse breve ensaio sobre aspectos da história do bairro Pernambués, que segundo dados do IBGE (2010) possui a maior população negra declarada – com 53.580 habitantes – da cidade do Salvador.

O Pernambués é mais um bairro que está localizado no território correspondente à área que foi o Quilombo do Cabula no século XIX, no miolo de Salvador. Tem ligações com avenidas importantes da cidade – a Paralela e a ACM. Além disso, se encontra próximo à Estação Rodoviária da cidade. Seus marcos geográficos podem ser definidos com uma parte ligada ao Cabula, ao norte; à Avenida Paralela, ao sul; à Avenida Luís Eduardo Magalhães e a área Federal do 19° Batalhão de Caçadores, ao leste; e com a comunidade de Saramandaia, à oeste.

O nome do bairro tem origem indígena, cujo significado é “mar feito à parte” ou “tanque de água”. Na verdade, existia um rio chamado Pernambués no local, que acabou nomeando toda a comunidade. Atualmente ainda há resquícios desse rio preservado no interior do 19 BC.

O lugar onde se encontra hoje o Pernambués abrigava várias chácaras e fazendas, as quais se formaram no Cabula em fins do século XIX e se desenvolveram durante toda a primeira metade do século XX. Assim, entre as varias fazendas que tinha, existia uma bastante importante, produtora de laranja, chamada Santa Clara. No entanto, com a sua dissolução, em 1956, os quilombolas retomaram as terras e deram origem ao bairro.

A territorialidade recuperada em 1956 fez com que a comunidade fosse construindo uma estrutura social baseada numa dinâmica de organização africana, uma arquitetura de divisão do espaço que podemos dizer neo-quilombola. Ela se formou e ainda possuía uma ordem formal no desenvolvimento do bairro; e esse espírito quase perdido de coordenação pode se ver notado até hoje na formar como os lideres e associações comunitárias tentam organizar minimamente a comunidade. Porem, isso se desmantelou no inicio da década de 80, com a construção do Shopping Iguatemi e da Estação Rodoviária. Uma nova dinâmica social se formara com o “desenvolvimento” ocorrido na própria Cidade do Salvador. As obras que desde a década de 70 tomavam o Cabula também trouxe um grande contingente de pessoas do interior do estado para trabalharem nas construções, o que fez aumentar consideravelmente o número populacional da comunidade.

Atualmente, o bairro se encontra numa localização estratégica, próximo de três grandes shoppings: Iguatemi, Salvador e Bela Vista.  Não que isso signifique muito, pois só possibilita a alguns moradores trabalharem no serviço informal, na periferia dessas instituições comerciais; como também terem um acesso fragilizado a alguns serviços e consumo. Na verdade, conseguem se influírem na lógica do comércio e constituírem a sobrevivência.

No bairro também há muitos condomínios, prédios. Eles foram construídos para setores médios e brancos da sociedade morarem, o que destruiu muito da mata atlântica que existia e desapropriou os quilombolas que eram donos das terras, levando-os a morarem em lugares mais escantilhados da comunidade e socialmente desguarnecidos.

A grande quantidade de negros(as) existentes no Pernambués – homens e mulheres de ascendência africana que sobrevivem nessa diáspora de desespero, chamada Salvador – constituem a paisagem humana do bairro, a sua dinâmica cotidiana, a forma como se modela e se estrutura. No entanto, se faz necessário restaurar a força, o axé dos ancestrais quilombolas, que constituíram com muita resistência a socioexistência do local, para se resgatar  o espírito de unidade e saber qual a batalha que se tem que travar nessa terra, cujo trajetória histórica – para o povo negro – fora sempre de luta e conquista da liberdade.
  

Davi Nunes é colaborador do portal SoteroPreta, mestrando no Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem- PPGEL/UNEB, poeta, contista e escritor de livro Infantil



* * *

Nenhum comentário:

Postar um comentário