Por Davi Nunes
Talvez o mar de casas com blocos nus, sem reboco, com telhas
de Eternit, ou laje, em confluir de vielas e ruas não tenham mais o conforto
dos mocambos passados, os quais tinham em seus quintais as árvores soprando a
sabedoria dos antepassados divinizados no ouvido. Talvez a periferia com seu
fluir frenético de aglomeração de multidões, com meninos perdidos por força da
opressão nos enrolos sistemáticos do tráfico, não tenha a força política e
revolucionária que havia no quilombo, mas ainda sei que há o germe, o afã
inicial dos guerreiros quilombolas que bateram de frente com a escravidão. Por
isso escrevo para tentar restaurar, isso, nesse breve ensaio sobre aspectos da
história do bairro Pernambués, que segundo dados do IBGE (2010) possui a maior
população negra declarada – com 53.580 habitantes – da cidade do Salvador.
O Pernambués é mais um bairro que está localizado no
território correspondente à área que foi o Quilombo do Cabula no século XIX, no
miolo de Salvador. Tem ligações com avenidas importantes da cidade – a Paralela
e a ACM. Além disso, se encontra próximo à Estação Rodoviária da cidade. Seus
marcos geográficos podem ser definidos com uma parte ligada ao Cabula, ao
norte; à Avenida Paralela, ao sul; à Avenida Luís Eduardo Magalhães e a área
Federal do 19° Batalhão de Caçadores, ao leste; e com a comunidade de
Saramandaia, à oeste.
O nome do bairro tem origem indígena, cujo significado é “mar
feito à parte” ou “tanque de água”. Na verdade, existia um rio
chamado Pernambués no local, que acabou nomeando toda a comunidade. Atualmente
ainda há resquícios desse rio preservado no interior do 19 BC.
O lugar onde se encontra hoje o Pernambués abrigava várias
chácaras e fazendas, as quais se formaram no Cabula em fins do século XIX e se
desenvolveram durante toda a primeira metade do século XX. Assim, entre as
varias fazendas que tinha, existia uma bastante importante, produtora de
laranja, chamada Santa Clara. No entanto, com a sua dissolução, em 1956, os
quilombolas retomaram as terras e deram origem ao bairro.
A territorialidade recuperada em 1956 fez com que a
comunidade fosse construindo uma estrutura social baseada numa dinâmica de
organização africana, uma arquitetura de divisão do espaço que podemos dizer
neo-quilombola. Ela se formou e ainda possuía uma ordem formal no
desenvolvimento do bairro; e esse espírito quase perdido de coordenação pode se
ver notado até hoje na formar como os lideres e associações comunitárias tentam
organizar minimamente a comunidade. Porem, isso se desmantelou no inicio da
década de 80, com a construção do Shopping Iguatemi e da Estação Rodoviária.
Uma nova dinâmica social se formara com o “desenvolvimento” ocorrido na própria
Cidade do Salvador. As obras que desde a década de 70 tomavam o Cabula também
trouxe um grande contingente de pessoas do interior do estado para trabalharem
nas construções, o que fez aumentar consideravelmente o número populacional da
comunidade.
Atualmente, o bairro se encontra numa localização
estratégica, próximo de três grandes shoppings: Iguatemi, Salvador e Bela
Vista. Não que isso signifique muito, pois só possibilita a alguns
moradores trabalharem no serviço informal, na periferia dessas instituições
comerciais; como também terem um acesso fragilizado a alguns serviços e
consumo. Na verdade, conseguem se influírem na lógica do comércio e
constituírem a sobrevivência.
No bairro também há muitos condomínios, prédios. Eles foram
construídos para setores médios e brancos da sociedade morarem, o que destruiu
muito da mata atlântica que existia e desapropriou os quilombolas que eram
donos das terras, levando-os a morarem em lugares mais escantilhados da comunidade
e socialmente desguarnecidos.
A grande quantidade de negros(as) existentes no Pernambués –
homens e mulheres de ascendência africana que sobrevivem nessa diáspora de
desespero, chamada Salvador – constituem a paisagem humana do bairro, a sua
dinâmica cotidiana, a forma como se modela e se estrutura. No entanto, se faz
necessário restaurar a força, o axé dos ancestrais quilombolas, que
constituíram com muita resistência a socioexistência do local, para se
resgatar o espírito de unidade e saber qual a batalha que se tem que
travar nessa terra, cujo trajetória histórica – para o povo negro – fora sempre
de luta e conquista da liberdade.
Davi Nunes é colaborador do portal SoteroPreta, mestrando no
Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem- PPGEL/UNEB, poeta, contista
e escritor de livro Infantil
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