Apesar de vocês
A recusa pelo TSE a cassar a chapa Dilma-Temer pode ter sido
a gota d’água que transbordou o pote de mágoas dos brasileiros. Nas redes
sociais, recorrente, uma indignação sofrida.
Apesar das caras e bocas que com lábios frouxos pronunciam
com desprezo a palavra povo; da frieza com que provocam a repulsa da sociedade;
da vaidade tragicômica que atinge píncaros do ridículo; apesar de vocês, juízes
que comprometem a Justiça, há no país um genuíno desejo de decência.
O novo Brasil que está nascendo falou, no julgamento do TSE,
pela voz do ministro Herman Benjamin, que se recusou a ser coveiro da verdade.
A verdade ficou ali, gritante, reiterada por dois ministros do STF, Luiz Fux e
Rosa Weber.
Apesar de vocês, políticos canastrões no papel de
estadistas, com seus peitos estufados, suas gravatas espaventosas, apesar dos
seus porões noturnos, seus sussurros e maquinações escabrosas, suas mesadas
milionárias, seus empresários tão amigos, apesar da venda do país e de nós
todos ao longo de décadas, todos rindo muito, trocando de cúmplices como de
sapatos, nessa omertà insultuosa aos brasileiros que lhes sustentam com seu
trabalho. Apesar de vocês, contra vocês e mais forte do que vocês, um outro
Brasil já existe como querer coletivo.
À decisão do TSE, à profunda revolta que provocou, veio se
somar, dias depois, o suicídio político do PSDB. O partido que se demarcara do
PMDB em nome da ética, contra todas as evidências de corrupção no governo decide
continuar a apoiá-lo e protege seu próprio presidente enredado em gravações
espantosas. O que põe a nu uma nova clivagem que não se pode chamar de
política, já que os partidos esvaziaram o sentido dessa palavra. Uma clivagem
que não é sequer ideológica, é moral.
A verdadeira clivagem é entre corrupção e honestidade. De um
lado, a corrupção que contamina todos os grandes partidos em um gigantesco
esquema de cumplicidade, entre si e com empresas bandidas; do outro, a
população, ofendida, para quem honestidade na vida pública é meio e fim de um
Brasil refundado. Que quer ver desaparecer da vida pública esses homens e
mulheres que já não representam posição política alguma, apenas os seus
próprios interesses de poder ou de dinheiro.
O desprezo é um sentimento quase sempre recíproco. A
população despreza quem a despreza, o que em si já é parte do novo Brasil. Os
partidos sabem disso. Daí quererem impedir candidaturas independentes,
restringindo a escolha do eleitorado ao seu círculo incestuoso, onde jogam o jogo
do toma lá dá cá, um abraço de afogados. Fingem não saber que o problema não é
mais de política, e sim de polícia. Inútil, mais cedo ou mais tarde as
sentenças virão.
A trama criminosa que se instalou no Brasil e que não tem
paralelo no mundo continua viva e atuante, tentando a todo custo neutralizar a
Lava-Jato e, se possível fosse, destruí-la. Esta persistência no crime fere a
democracia e deixa uma cicatriz. E ainda nos expõe ao risco real e iminente de
enfunar as velas de uma abominável extrema-direita pronta para aproveitar-se do
vazio de poder aberto pela derrocada do sistema político.
Para além da luta contra a corrupção, da afirmação do fato
moral, é urgente vertebrar a sociedade que queremos. Novas lideranças
conquistarão o seu lugar na medida em que apresentem ideias e propostas para
reconstruir o país, refundando a política e a democracia sobre os escombros que
herdamos.
Ponto nevrálgico desse legado maldito avulta, entre outras
misérias, a violência. A tragédia de jovens pobres e negros que se matam entre
si, sem saber quem são nem por que vivem, a quem foi negada mínima chance de
uma verdadeira escola, capacidades e valores, jogados no colo dos traficantes.
Os que não morrem adolescentes vão agonizar em prisões concentracionárias, as
mãos entre as grades em gestos de pedintes ou loucos. Políticos desonestos, que
lhes roubaram a possibilidade de outro destino, também são culpados de seus
crimes, da guerra nas ruas que está levando tanta gente a abandonar o Brasil.
Também roubaram o futuro dessas crianças transformadas em exilados. E continuam
dando a todos os jovens o pior dos exemplos, o da insensibilidade moral.
Vocês são hoje fantasmas, sentados em suas nobres cadeiras.
Seu tempo acabou. Porque se o poder vem de cima, e se negocias nos porões, a
confiança vem de baixo, e essa confiança vocês perderam.
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Registro aqui minha repulsa à agressão sofrida pela
jornalista Míriam Leitão. A intolerância dos agressores atingiu não só a ela,
também à liberdade de imprensa.
O Globo, 17/06/2017
Rosiska
Darcy de Oliveira - Sexta ocupante da cadeira 10 da ABL. Eleita em 11 de
abril de 2013, é escritora e ensaísta. Sua obra literária exprime uma
trajetória de vida. Foi recebida em 14 de junho de 2013 pelo Acadêmico Eduardo
Portella, na sucessão do Acadêmico Lêdo Ivo, falecido em 23 de dezembro de 2012.
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