16 de maio de 2017
Revista Catolicismo, Nº 797, maio/2017
Sobre o tema da Mensagem de Fátima — particularmente das
grandes questões que afligiram a Igreja e o mundo ao longo dos 100 anos desde a
primeira aparição de Nossa Senhora aos três pastorinhos —, Catolicismo publicou
em outubro de 2016 uma entrevista de nosso colaborador Benoît Bemelmans com o
conceituado especialista no assunto, Dr. Antonio Augusto Borelli Machado.
Para esta edição, especialmente consagrada ao Centenário de
Fátima, obtivemos desse especialista outra entrevista que complementa a
anterior. Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo, o Dr. Antonio Augusto Borelli Machado dedicou a maior parte de sua
vida ao apostolado leigo católico nas fileiras da Sociedade Brasileira de
Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), e hoje no Instituto
Plinio Corrêa de Oliveira. É autor do best-seller As aparições e a
mensagem de Fátima conforme os manuscritos da Irmã Lúcia, obra difundida nos
cinco continentes e que já ultrapassou os cinco milhões de exemplares.
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“Nossa Senhora descreve os numerosos desdobramentos do
castigo que se abaterá sobre a humanidade. A muitos desses acontecimentos já
assistimos, mas outros continuam pendentes”
Catolicismo — Por que o senhor se interessou tanto
pela Mensagem de Fátima?
Antonio Borelli Machado — Com 16 anos de idade, eu era
dirigente da seção masculina da Cruzada Eucarística Infantil de uma
Paróquia em São Paulo. Como encarregado da pequena biblioteca da associação,
tomei conhecimento da obra sobre Fátima do Pe. Ayres da Fonseca S.J., já em
segunda edição em Portugal, e que chegara em 1947 no Brasil. Ao ler o livro,
recebi a grande graça de entender que o ponto central da mensagem de Nossa
Senhora era que a humanidade se encontrava tão gravemente desviada das vias do
Evangelho e dos Dez Mandamentos da Lei de Deus, que um castigo devastador
desabaria sobre o mundo se os homens não se voltassem para Deus e fizessem
penitência de seus pecados. A perspectiva desse castigo tornou-se então o foco
principal das minhas preleções aos meninos da Cruzada.
Em 1953, outra grande graça veio complementar a primeira:
colegas da universidade me puseram em contato com o grupo do Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira que desenvolvia uma atuação em inteira consonância com a
Mensagem de Fátima, em vista da plena restauração da civilização cristã no
Brasil e no mundo. Nessa batalha, de muito maior porte que eu jamais teria
imaginado, me engajei desde então até os dias de hoje.
Catolicismo — Estamos agora comemorando o 100º
aniversário das aparições. De que forma a Mensagem de Fátima ainda é válida,
para nós, hoje em dia?
Antonio Borelli Machado — Na segunda parte do segredo,
Nossa Senhora descreve pormenorizadamente os numerosos desdobramentos do
castigo que se abaterá sobre a humanidade. A muitos desses acontecimentos já
assistimos — como a Segunda Guerra Mundial, a disseminação do comunismo pelo
mundo, etc. — mas outros continuam pendentes. Sobretudo o seu desfecho,
sintetizado por Nossa Senhora com as auspiciosas palavras: “Por fim, o meu
Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se
converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz”. Portanto, o feliz
desfecho da profecia de Fátima ainda não se deu. A mensagem de Fátima continua
de pé, e precisamente no que ela tem de mais extraordinário, que é o triunfo do
Imaculado Coração de Maria, com a sua coorte de fatos grandiosos, nem sequer
imagináveis por nós.
“A Mensagem de Fátima continua de pé, e precisamente no que
ela tem de mais extraordinário, que é o triunfo do Imaculado Coração de Maria,
com a sua coorte de fatos grandiosos”
Catolicismo — O que o senhor acha das pessoas que
pensam que a mensagem da Virgem Maria não foi completamente revelada?
Antonio Borelli Machado — Em concreto, especulava-se,
não sem fundamento, que o 3° Segredo se referia à chamada “crise na Igreja”.
Sucede que o texto do 3° Segredo, afinal revelado no ano 2000, decepcionou quem
esperava uma menção formal à responsabilidade das mais altas autoridades
eclesiásticas por essa crise.
Ocorre que os dirigentes máximos da Igreja, reunidos no
Concílio Vaticano II, tinham se proposto como meta pastoral uma reconciliação
da Igreja com o mundo moderno, meta essa enunciada oficialmente por João XXIII
no discurso de abertura, e formalizada na Constituição Pastoral Gaudium et
Spes, promulgada pelo Concílio. Ora, essa meta se chocava de frente com o
Segredo de Fátima, que nos apresenta um mundo prestes a ser destruído pelo fogo
que um Anjo despedia, com uma espada flamejante, em direção à Terra. Em
seguida, os pequenos videntes vêm o mundo semidestruído… Um mundo assim
destinado a ser reduzido a ruínas pelo fogo do Céu não era absolutamente um
mundo com o qual a Igreja devesse estabelecer boas relações…
Assim, analisado com atenção e profundidade, o texto do 3°
Segredo contém os elementos necessários e suficientes para que os fiéis
julgassem — sempre com o devido respeito e objetividade — as medidas de
carácter pastoral tomadas pelas mais altas instâncias da Igreja, as quais não
estão protegidas pelo carisma da infalibilidade.
Catolicismo — Quais são as diferenças entre Fátima
e Lourdes?
Antonio Borelli Machado — Fátima nos apresenta um
desfecho glorioso para a Igreja e a humanidade, com um final de esplendor, indicado
pela frase de Nossa Senhora: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. Mas
o contexto todo da profecia é o anúncio de um grande castigo que se abaterá
sobre a humanidade e as nações. Basta ter presente a frase constante da segunda
parte do Segredo: “Várias nações serão aniquiladas”…
Nas aparições de Lourdes, pelo contrário, predomina o
sorriso de Nossa Senhora, que assim manifesta o seu regozijo pelo dogma da
Imaculada Conceição proclamado quatro anos antes (1854).
“O contexto todo da profecia é o anúncio de um grande
castigo que se abaterá sobre a humanidade e as nações. Basta ter presente a
frase: “’Várias nações serão aniquiladas’”
Catolicismo — Muitos comentaristas estão dizendo
que há uma grande crise na Igreja. O senhor vê alguma conexão entre a crise
atual e as aparições de Fátima?
Antonio Borelli Machado — O essencial a respeito já foi
dito na resposta à terceira pergunta. Bastaria acrescentar que essa crise na
Igreja não se reduz a aspectos doutrinários divergentes que produzem uma
divisão concreta entre os fiéis, partidários de uma ou outra posição. E atinge
até os mais altos páramos da Igreja, produzindo nos quadros da Hierarquia
eclesiástica a remoção de partidários de uma posição e sua substituição por
seguidores da outra corrente. Isso sempre foi assim nos dois mil anos de
História da Igreja e se nota também nos dias presentes… Seja como for, Fátima
assegura a vitória final, em nossa época, aos seguidores da ortodoxia católica,
sob o manto da Virgem Maria.
Catolicismo — Fala-se em certos ambientes que a
Rússia, onde uma vez se instalou o comunismo, hoje redescobriu a identidade
cristã… O que o senhor acha disso?
Antonio Borelli Machado — O redescobrimento da
identidade cristã supõe não só a derrota do comunismo como a recuperação da
unidade eclesial e religiosa. A graça de Fátima, que focaliza a Rússia de modo
tão especial — a Santíssima Virgem mencionou especificamente a conversão dessa
nação —, traz em seu bojo as graças que tornarão possível a reconstituição da
unidade entre a igreja do Oriente e a do Ocidente. E então haverá um só rebanho
e um só Pastor, como preconizou nosso divino Redentor. Aquilo que hoje nos
parece impossível, com os chacoalhos do castigo universal e as graças daí
decorrentes, a união Oriente-Ocidente se imporá a todos. Qui vivra verra.
Catolicismo — Qual é o livro de referência sobre
Fátima? O senhor pode dar algumas sugestões de bons livros para ler sobre o
assunto?
Antonio Borelli Machado — Hoje já se encontram
disponíveis em diversas línguas as seis Memórias da Irmã Lúcia que
constituem a fonte primária da literatura sobre Fátima. Mais recentemente
(2013) o Carmelo de Coimbra editou uma biografia atualizada da Irmã Lúcia sob o
título Um caminho sob o olhar de Maria, no qual faz uso pela primeira vez
de trechos inéditos do diário espiritual da vidente, e que, portanto,
constitui uma leitura obrigatória. Mas muitos pesquisadores fizeram trabalhos
de valor sobre o conjunto da vida da Irmã Lúcia, bem como sobre os mil aspectos
que cercam as aparições e a difusão da Mensagem de Fátima pelo mundo. Considero
obrigatória a leitura da obra de Frère Michel de la Sainte Trinité, em três
volumes, com edições em francês e inglês. O autor esteve longo tempo em
Portugal interrogando testemunhas e recolheu depoimentos preciosos que
enriquecem a compreensão da Mensagem de Fátima.
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