De arraial a povoado
A exemplo
de Irineu Mendonça, outras pessoas instalaram-se na Fazenda Boa Vista,
desbravando o matagal ali existente. Eram capoeiras habitadas por grandes
quantidades de animais silvestres tais como: capivara, preá, raposa, sariguê,
preguiça, papa-mel, ouriço caixeiro, guaxinin e algumas espécies de macacos,
guariba, sagui e jupará.
Aquela
gente simples caminhava pelas matas através de caminhos estreitos, ou
simplesmente veredas abertas pelas formigas-de-mandioca. Havia enormes
formigueiros, que consistiam em sérios problemas para os horticultores, que
desesperadamente lutavam para exterminá-los e defender as suas plantações das
insaciáveis formigas.
Em 1927,
construía-se a estrada de rodagem, interligando Ilhéus e Itabuna. A rodagem
passava no centro da fazenda e, vinte anos depois, ela viria a sofrer grande
reforma. Não temos certeza se a reforma foi geral, porém, no eixo
Ilhéus-Itabuna houve correções, talvez por a estrada apresentar-se cheia de
defeitos topográficos, com curvas em excesso, bastante acidentada. Pode parecer
estranho, mas esta reforma muito contribuiu para que, no futuro, surgisse na
Fazenda mais uma ruazinha, que o povo passou a chamar de “Rodagem Velha”.
Naquela
rua residiram pessoas que hoje talvez já nem mais existam. Lembro-me, por
exemplo, de um velho sapateiro que se chamava Rosalvo. A sua casinha ficava tão
escondida, em meio às plantações, que era quase impossível vê-la à distância.
Era mestre Rosalvo quem confeccionava calçados para o povo dali. O meu pai
encomendava-lhe botinas para toda a família e, em dias de festa saíamos às
ruas, vaidosos, ostentando as botinas rangideiras que, para nós, eram calçados
de primeira qualidade.
O primeiro
açougue no Salobrinho, foi implantado por Ascendino. Ele tinha quatro filhas
lindíssimas, de olhos verdes, e morou no arraial por pouco tempo, exercendo o
ofício de magarefe, para depois partir, tomando rumo ignorado.
Apesar das pessoas acreditarem no
desenvolvimento do arraial, explorando diversos tipos de negócios, o lugar
ainda dormia um sono profundo. As crianças cresciam sem escolas e sendo os
pais, na sua maioria analfabeta, não reuniam condições de ensinar pelo menos as
primeiras letras aos seus filhos. Então a criançada ficava tão somente restrita
às peladas e aos banhos contínuos, nas águas do Rio Cachoeira, que, ainda hoje continua sendo uma das principais áreas de lazer.
Em 1963,
no governo do prefeito Herval Soledade, o Salobrinho viu nascer o seu Grupo
Escolar. Em seguida, também chegava o
MOBRAL, Movimento Brasileiro de Alfabetização, cuja escola passou a funcionar à
noite, no salão do “clube”, ao lado da Igreja Católica.
A CEPLAC
teve um papel relevante no impulso do Salobrinho, no que se refere à área social.
Aquela gente que vivia sofrendo, trabalhando em roças particulares, pessoas que
aventuravam a vida pescando no rio, apegaram-se a ela e, hoje, muitos são
funcionários gabaritados daquele importante órgão, onde gozam de todos os
direitos a que fazem jus.
A CEPLAC
foi, certamente, a mola propulsora que veio garantir a sobrevivência de
centenas de pais de família que, outrora viviam naquele povoado, sem ter de
onde tirar o indispensável para a vida. O homem do campo nela encontrou o
reconhecimento da importância do seu trabalho. Com o seu advento, um outro
grande acontecimento selava a felicidade dos moradores: era a aura branda da
cultura que soprava na sua direção. Estava se concretizando a maior aspiração
da Região Cacaueira, estava nascendo a Universidade de Santa Cruz, instituída
de acordo com o Artigo nº 8, da Lei 5.540.
Portanto,
nas propriedades de Manoel Fontes Nabuco, divisando com o Salobrinho, foi
colocada a pedra fundamental que daria origem à FESPI, Federação das Escolas
Superiores de Ilhéus e Itabuna. Havia a necessidade de se adquirir mais espaço
para o campus universitário e, no ensejo, a CEPLAC procurou os herdeiros, a fim
de propor-lhes a desapropriação de 10 ha. de terra. A CEPLAC construiria
catorze casas dentro do povoado, além da indenização dos moradores da Rua da
Mangueira, que optaram também pela construção de casas, numa área que o próprio
órgão beneficiaria.
A Rua da
Mangueira era arborizada. Havia nela pouquíssimas casas, na maioria casinhas
toscas, cobertas de zinco e em ruínas, porque os seus proprietários não tinham
recursos para repará-las. Houve o seu desaparecimento. Das suas cinzas,
ergue-se, imponente e majestosa, a UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ, para a glória de
toda a Região do Cacau.
Em 1974,
dava-se início a uma importante obra, que iria beneficiar cerca de duas mil
pessoas. Um convênio firmado entre a CEPLAC, Secretaria da Saúde e Prefeitura
Municipal de Ilhéus, implantaria o Sistema de abastecimento d’água, levando o precioso
líquido a todos os lares do povoado. O complexo hidráulico consistia de um poço
perfurado, uma casa de bomba com conjunto elevatório, motor elétrico,
reservatório de capacidade de quinze mil litros e quatro chafarizes. Este
investimento custaria ao convênio o montante de CR$16.182,67, cabendo à
Prefeitura a importância de CR$14.500,86.
Recentemente, um novo convênio, firmado entre o FSESP e a Prefeitura
Municipal de Ilhéus, recuperou e ampliou aquele sistema, porque já não mais
atendia aos reclamos do povo. Foi construído um novo reservatório no topo da
Rua do Ouro, com capacidade para abastecer todo o povoado.
O
Salobrinho, atualmente, conta com um número de oitocentas casas, e o seu índice
demográfico já atinge a casa de quatro mil habitantes. Na área de Educação,
está relativamente bem servido, pois conta com sete escolas, além da extensão
do 1º grau, níveis II e III, do Instituto Municipal de Educação de Ilhéus, o
qual funciona nas dependências da Universidade de Santa Cruz, num convênio
firmado entre a FESPI e a Prefeitura de Ilhéus, respectivamente. Este convênio
veio, efetivamente, beneficiar os estudantes do Salobrinho, Banco da Vitória e
adjacências.
Existem no
povoado setenta e quatro casas comerciais, sendo que 70% são botequins
improvisados, de onde os pequenos comerciantes retiram o sustento para a sua
sobrevivência, vendendo cachaça, cigarros, balas e congêneres. O aspecto urbano
é por demais desolador, deixando muito a desejar. O crescimento demográfico
trouxe sérios transtornos porque, à proporção que aumenta o índice
populacional, agrava-se o problema sanitário, deixando os seus habitantes
desassistidos. A inexistência de rede de esgotos, água tratada e posto médico
constitui numa ameaça constante, um verdadeiro atentado à saúde pública. As
crianças – as que conseguem sobreviver – são doentes, indispostas e crescem
debilitadas, sem nenhuma motivação para enfrentar a realidade da vida lá fora.
Os casos de verminose são uma constante, porque os esgotos ali correm a céu
aberto, pelo meio das ruas, invadindo as residências.
Contudo,
apesar da vida sofrida e subumana que levam os moradores do Salobrinho, em
termos de assistência social, pode-se ver no semblante de cada um, o desejo e a
esperança de que, um dia, seja a curto ou a longo prazo, tudo ali se transforme
e que, de Fazenda Boa Vista, passe a ser um grande povoado, uma Vila
Universitária, digna de acolher satisfatoriamente, os estudantes de nível
superior, que para ali convergem, procedentes dos municípios da Região
Cacaueira, com o objetivo único e exclusivo de tornarem mais fácil o acesso à
cultura.
(SALOBRINHO – ENCANTOS E DESENCANTOS DE UM
POVOADO - 1984)
Sherney Pereira
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"Li, com
interesse o livro de Sherney – Salobrinho – Encantos e desencantos de um
Povoado, por sua riqueza de carinho com o tempo, esse relicário inesgotável.
Como é bom existirem desses garimpeiros fascinados, que desenterram da ganga do
passado a gema da história. Que surjam outros para relatar o que sabem ou
sentiram desde o surgimento de seus bairros: Pontal, Malhado, Outeiro, e mais.
E que o façam como Sherney: sem olvidar a linha sentimental. O mal da vida não
é passar, mas esquecer".
Dorival
de Freitas
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