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domingo, 26 de fevereiro de 2017

TERRAS DE ITABUNA: CONVERSA DE BOIADEIROS – Carlos Pereira Filho

Conversa de Boiadeiros



          A rancharia, onde apearam, era alguma coisa ignóbil, como as rancharias do resto das estradas, até o sertão.

          Carlos Sousa e João Pereira armaram as redes,  soltaram os animais e foram jantar numa pensão, perto da farmácia do Cabral.

          Enquanto, na pensão, sentados, pacientemente, esperavam o jantar,  dois viajantes boiadeiros, conversavam numa mesa próxima. Um dizia ao outro: “Este Inácio Costa é um sujeito levado do diabo. Não tem medo de nada e, cada dia que passa, vai ficando mais rico. Agora ele comprou os açougues de Antônio Setenta e quer ficar com a fazenda do Riacho de areia, do velho Terto. Ele disse-me que aquilo é “anel de ouro em focinho de porco”.

          - Também, concordou o outro, ele tem razão de ser tão sabido. Já nasceu sabido, na terra sergipana. Os tolos, por lá nascem mortos ou ficam para tomar conta da terra pobre. Ele mesmo conta a sua vida e diz que, ainda criança, nas feiras de Sergipe, vendia bode por ovelha e ovelha por bode. Cresceu assim, enganando,  nesta escola, dando golpes, sendo mestre de sabedoria. Só tem um defeito: é ambicioso de mais, a sua barriga não enche nunca ou, como diz o povo, tem os olhos maiores que a barriga. No mais é um sujeito bom, amigueiro, trabalhador e boa paga. Falam até que, ao chegar nesta terra, vendia rolete de cana para viver.

          - Isto não tem importância, replicou o outro viajante, aqui ninguém é filho de príncipe. Misael Tavares, rei do cacau, foi tropeiro. Firmino Alves, trabalhador de roça, Oscar Marinho, caixeiro de armazém. Aqui não se pergunta quem foi, pergunta-se quem é.

          Carlos Sousa e João Pereira ouviram as prosas sobre Inácio Costa e, tranquilamente, jantaram o feijão com arroz e mais um bife duro, à moda da casa, temperado com muito sal, pimenta e cominho.

          Depois do jantar, saíram da pensão, desceram pela rua principal, e um mostrou ao outro, numa velha casa de esquina, um letreiro antigo da loja comercial de Arquimedes Amazonas, meio apagado, mas, ainda visível, como a recordar passados tempos de atividade, naquela terra que dormia p sono da decadência.

          Na rancharia, depois de soprarem as brasas de uma fogueira feita no chão, subiram para as redes.

          O relógio de uma casa próxima batia oito horas, ouvidas, distintamente, no silêncio da noite de um verão abrasador. Uma brisa suave agitava levemente as folhas das árvores e, lá em baixo, o rio Cachoeira corria, aumentando ou diminuindo o sussurro das suas águas, com a maior ou menor velocidade da viração que soprava na sua superfície.

          Um galo cantou na vizinhança, advertindo que a noite ia alta. As labaredas da fogueira estavam reduzidas a pálidas chamas.

          Os dois companheiros, vencidos pelo cansaço, silenciaram e mergulharam no sono, depois de um dia estafante de viagem sob o sol ardente nas margens arenosas do rio Cachoeira.



(TERRAS DE ITABUNA)

Carlos Pereira Filho

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