Conversa de Boiadeiros
A rancharia,
onde apearam, era alguma coisa ignóbil, como as rancharias do resto das
estradas, até o sertão.
Carlos Sousa
e João Pereira armaram as redes,
soltaram os animais e foram jantar numa pensão, perto da farmácia do
Cabral.
Enquanto, na
pensão, sentados, pacientemente, esperavam o jantar, dois viajantes boiadeiros, conversavam numa
mesa próxima. Um dizia ao outro: “Este Inácio Costa é um sujeito levado do
diabo. Não tem medo de nada e, cada dia que passa, vai ficando mais rico. Agora
ele comprou os açougues de Antônio Setenta e quer ficar com a fazenda do Riacho
de areia, do velho Terto. Ele disse-me que aquilo é “anel de ouro em focinho de
porco”.
- Também,
concordou o outro, ele tem razão de ser tão sabido. Já nasceu sabido, na terra
sergipana. Os tolos, por lá nascem mortos ou ficam para tomar conta da terra
pobre. Ele mesmo conta a sua vida e diz que, ainda criança, nas feiras de
Sergipe, vendia bode por ovelha e ovelha por bode. Cresceu assim,
enganando, nesta escola, dando golpes,
sendo mestre de sabedoria. Só tem um defeito: é ambicioso de mais, a sua
barriga não enche nunca ou, como diz o povo, tem os olhos maiores que a
barriga. No mais é um sujeito bom, amigueiro, trabalhador e boa paga. Falam até
que, ao chegar nesta terra, vendia rolete de cana para viver.
- Isto não
tem importância, replicou o outro viajante, aqui ninguém é filho de príncipe.
Misael Tavares, rei do cacau, foi tropeiro. Firmino Alves, trabalhador de roça,
Oscar Marinho, caixeiro de armazém. Aqui não se pergunta quem foi, pergunta-se
quem é.
Carlos Sousa
e João Pereira ouviram as prosas sobre Inácio Costa e, tranquilamente, jantaram
o feijão com arroz e mais um bife duro, à moda da casa, temperado com muito
sal, pimenta e cominho.
Depois do
jantar, saíram da pensão, desceram pela rua principal, e um mostrou ao outro,
numa velha casa de esquina, um letreiro antigo da loja comercial de Arquimedes
Amazonas, meio apagado, mas, ainda visível, como a recordar passados tempos de
atividade, naquela terra que dormia p sono da decadência.
Na
rancharia, depois de soprarem as brasas de uma fogueira feita no chão, subiram
para as redes.
O relógio de
uma casa próxima batia oito horas, ouvidas, distintamente, no silêncio da noite
de um verão abrasador. Uma brisa suave agitava levemente as folhas das árvores
e, lá em baixo, o rio Cachoeira corria, aumentando ou diminuindo o sussurro das
suas águas, com a maior ou menor velocidade da viração que soprava na sua
superfície.
Um galo
cantou na vizinhança, advertindo que a noite ia alta. As labaredas da fogueira
estavam reduzidas a pálidas chamas.
Os dois
companheiros, vencidos pelo cansaço, silenciaram e mergulharam no sono, depois
de um dia estafante de viagem sob o sol ardente nas margens arenosas do rio
Cachoeira.
(TERRAS DE ITABUNA)
Carlos Pereira Filho
* * *
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