A honra naqueles tempos
Estamos no início do século passado. Itabuna parcialmente às escuras, tinha seus bairros, ou
melhor, suas ruas de melhores edificações iluminadas, juntamente com as
residências, por motores a diesel. Estas máquinas ficavam na conhecida Usina de
Luz e era manobrada por trabalhadores da região sob a direção de um homem
correto e honesto pai de família.
Por desconhecer o nome do chefe da Usina, vou tratá-lo por Compadre, como meu avô o chamava, pois havia batizado uma de suas filhas.
Este senhor passava as noites praticamente às claras na Casa
da Luz – como a maioria dos habitantes de Taboquinhas a conhecia.
Vizinho à Usina morava um casal de lindíssimas moças
casadoiras, as quais cuidavam mais de se casarem do que qualquer outro afazer.
Das três jovens, a mais velha e desinibida, apiedou-se da solidão do Chefe da
Usina e resolveu, às escondidas dos pais, fazer companhia, com suas conversas
cativantes, ao compadre do meu avô. Conversa vai, conversa vem, até que uma
noite ela deixou de conversar e ele de ouvir. O esperado aconteceu...
Naquela época o defloramento era crime tão grave quanto o homicídio e só era reparado com o casamento ou prisão.
O Compadre homem de certo preparo e conhecimento, sabedor do
delito que havia cometido, refugiou-se na casa do meu avô materno, Manoel
Amâncio da Silva – Escrivão do Júri e Tabelião da Comarca de Itabuna –, pedindo
guarida. O destacamento de policiais comandado pelo Delegado o não encontrando
na residência, foi procurá-lo na casa do meu avô, pois sabia da amizade entre
os dois.
O Velho Manoel da Silva, coronel da Guarda Nacional, recebeu carinhosamente o amigo e o fez sentar-se ao lado direito da cabeceira que ocupava, defronte ao meu pai, Coronel Francisco Benício dos Santos, seu genro, que há pouco chegara. Mandou o Delegado entrar e com a solenidade que a reunião pedia, levantou-se e, apontando a cadeira na outra cabeceira, pediu ao policial para se sentar.
Um diálogo seco entre meu avô e o Delegado prolongou-se por intermináveis minutos para o deprimido Compadre, o qual, percebendo que estava irremediavelmente perdido, sacou do coldre, na cintura, a pistola e apontando-a para o próprio ouvido, numa questão de segundos disparou-a, deixando a cabeça ensanguentada tombar sobre o braço esquerdo.
Horrorizados os circunstantes, boquiabertos observavam o
olhar opaco do morto, que só é guardado pelos suicidas. Meu avô interpretou
aquele olhar como um pedido de perdão aos seus, que ele deveria levar à mulher
e às filhas.
Assim tratava-se a honra naqueles tempos...
Oscar Benício dos Santos - nasceu em Itabuna BA no dia 08 de
dezembro de 1926, filho do desbravador de Itabuna e historiador Francisco
Benício dos Santos e de dona Adelaide. Estudou em Itabuna e depois em Salvador
no Instituto Baiano de Ensino e no Colégio Maristas. Fez o curso de Odontologia
na Faculdade Federal da Bahia. Ao se formar montou consultório em Salvador e
também cuidava das suas fazendas de cacau em Itabuna e de gado em Itaju
do Colônia. Hoje reside na sua Fazenda Guanabara em Itabuna. É autor do
livro CACAU EM VERSOS lançado com grande sucesso na 1ª Feira
Universitária do Livro da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC no
dia 21/10/2013
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