Ouvir estrelas
18/11/2015
O vento a lufar. A madrugada fria. A natureza em
prantos.
Nos seus aposentos, já acomodado, o sono teimava em não
chegar. O seu pensamento ainda continuava nela. Levantou-se, foi ao
armário e olhou para o quadro que iria presenteá-la no dia do seu aniversário.
Adquiriu-o de um renomado artista lusitano. E o fez não só pela beleza da
obra mas, sobretudo, para ver no rosto dela aquele sorriso que o
encantava e, também, lá no fundo, para dar contentamento ao seu coração que de
há muito em mais nada acreditava.
Lembrou-se, então, do dia em que a conheceu. Na verdade foi
numa noite de verão. Havia uma reunião. Muitos poucos amigos se faziam
presentes, o que deixava o ambiente mais íntimo e agradável. Não era
propriamente uma festa, mas tinha a alegria de uma festa.
Conversando reservadamente com um amigo, de onde se achava,
notou a chegada de uma moça, vestida de branco. Ficou a observá-la. Ela
cumprimentava as pessoas e caminhava sem querer em sua direção e, quanto
mais se aproximava, mais sua beleza se revelava. Linda mais que demais, diria
Caetano se a visse. Ele que a viu disse ser ela muito mais bela
do que Vênus e Afrodite juntas.
Sentou-se, por acaso, a sua frente. Ao olhar em
seus olhos viu a estrela. A luz que iluminaria o seu caminho e pela qual
procurou em outros planos, em outra dimensão, estava bem ali em sua frente, a
sorrir. Meu Deus, é verdade. Ela existe.
Pensou consigo.
Cautelosamente, disse-lhe: conheço você! Não me recordo de
onde! E você não me é estranho, respondeu. Naquele instante, a alegria do
reencontro dominava todo seu ser e sublimava-lhe a alma. E a conversa
prosseguiu... A noite avançou. Já se fazia tarde. Despediu-se
dela beijando-lhe as mãos.
Veio a manhã e sucessão de dias e mais dias. As tentativas
de aproximação ou mesmo de reaproximação cediam ao silêncio. Ele nada entendia.
Milhões de coisas passavam em sua cabeça. Só não passava a alegria que
aumentava a cada instante em seu peito e fazia feliz o seu calado
coração. Nada podia dizer, ou confessar, a ninguém, daquele amor, nem mesmo às
paredes.
Ah! Poeta, porque sentenciastes “que a vida é a
arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”.
Questionava a si mesmo o porquê do silêncio? Acostumado à
solidão, fez do silêncio dela o seu companheiro e a ele confidenciava
segredos vindos da alma, imaginando na fantasia dos seus sonhos que o
fazia a ela, docemente em seus ouvidos.
O seu sentimento tornava-o capaz de ouvir e de
entender estrelas, numa sintonia perfeita com o poema de Bilac.
Olhos fixos na paisagem retratada pelo artista, atordoado,
sentiu ecoar em seus ouvidos aquelas palavras que lhe feriram a alma e
destruíram o resto de esperança que guardava em seu peito.
Decidido, fechou a porta do armário. Pela janela jogou
as chaves fora. O vento frio invadiu seus aposentos. Sentou-se à beira da cama.
Fez-se forte e sufocou sua paixão. Escondeu-se debaixo da coberta e
fingiu acreditar no novo dia, no novo amanhecer, pois tudo estava perdido e
fora inútil querer o amor que não mais seria seu.
De mansinho, então, chega-lhe o seu companheiro
inseparável – o silêncio dela – e sussurra coisas em seus ouvidos –
segredos – que lhe renovam a esperança no amor que o faz ouvir e entender
estrelas.
Antônio Carlos de Souza Hygino
Juiz de Direito
Juiz de Direito
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário