Ao redor
Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós
e a isso considerado vitória nossa de cada dia.
Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceitado o que não se entende porque não queremos
passar por tolos.
Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao
outro.
Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada.
Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois
tememos que as catedrais que nós mesmos construímos, sejam armadilhas.
Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o
começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que
por amor diga: TENS MEDO!
Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se
serve com ou sem soda.
Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação
para não nos envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer
a sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa
vida possível.
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.
Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo
que nossa indiferença é angústia disfarçada.
Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e
por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.
Não temos adorado por
termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.
Temos sorrido em público mais do que não sorriríamos quando
ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.
E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
Enviado por: "Gotas de Crystal"
Clarice Lispector (1920-1977) nasceu em Tchetchelnik, na
Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920. Filha de família de origem judaica, seu
pai Pinkouss e sua mãe Mania Lispector emigraram para o Brasil em março de
1922, para a cidade de Maceió, Alagoas, onde morava Zaina, irmã de sua mãe.
Nascida Haia Pinkhasovna Lispector, por iniciativa do seu pai todos mudam de
nome e Haia passa a se chamar Clarice.
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