Dueto: Nídia Costa Reis & Eglê S Machado
Peço licença para invadir sua página e enviar-lhe outra
"brincadeira" que já publiquei no Facebook tempos atrás. Você pediu e
aí vai:
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Há alguns anos, escrevi esta história empregando expressões
populares muito conhecidas. Ela foi bastante comentada e apreciada, e tema de
um programa na rádio São João del-Rei, do qual participei ao vivo, como
convidada.
Um rapaz nasceu onde
Judas perdeu as botas e sempre andou de déu em déu. Sua vida foi difícil. Comeu
o pão que o diabo amassou, mas nunca entregou a rapadura.
Certa vez, arranjou
um emprego, mas foi fogo de palha. O patrão despediu-o e ele saiu com uma mão
na frente e outra atrás. O rapaz continuou seu caminho. Encontrou um homem
assentado debaixo de uma árvore com cara de quem comeu e não gostou. Quis puxar
conversa. O homem não estava disposto e, diante da insistência do rapaz, perdeu
as estribeiras e partiu para a ignorância. O rapaz deu no pé.
Ao longe, viu uma
fazenda e resolveu pedir pousada. Ao chegar, achou que ia tirar a barriga da
miséria porque a cozinha estava sortida. A dona da casa era uma unha de fome e
dizia que as coisas estavam pela hora da morte. Deu-lhe uma xicrinha de café
puro e mandou-o picar a mula. Ele não gostou e começou a xingar a dona que ouviu
cobras e lagartos.
Nesse instante, apareceu o dono da fazenda e resolveu
mostrar ao rapaz com quantos paus se faz uma canoa. Olhou para ele e começou a
rir de sua boca de chupar ovo. Disse-lhe que ganharia comida só no dia em que
na galinha nascesse dente. A única coisa que poderia ganhar era um pouco de água
que o passarinho não bebe. O rapaz respondeu que não era seu irmão de opa e que
ele estava chorando de barriga cheia. O dono nem abanou o rabo e saiu.
O rapaz
pensou: “É, desse mato não sai coelho. Vou cantar em outra freguesia.
Chegou a uma cidade
depois de uma longa caminhada. Ele tinha mesmo fôlego de sete gatos.
Aproximou-se de um mercadinho e entrou. Começou a examinar as mercadorias
porque não podia levar gato por lebre. Ele achou que as mercadorias estavam na
bacia das almas e ficou com água na boca. Perguntou ao dono se podia comprar
fiado. Alguém gritou de longe: “Não vende não porque ele não apaga nem fogo na
roupa”. Era um leva-e-traz que ele conhecia e gostava de fazer tempestade num
copo d'água. O dono do mercadinho era um água morna e deixou-o escolher alguma
coisa para comer. Aí, caiu a sopa no mel. O rapaz pensou: “Vou aproveitar enquanto
Braz é o tesoureiro”. Encheu a sacolinha e foi saindo. A moça do caixa
disse-lhe que ele devia vinte reais. “Eu sei. Você quer ensinar o Pai Nosso ao
seu vigário?”, respondeu ele. A moça disse: ”Vá pagando e vá saindo. Aqui é
assim: tretou, relou, o pau cantou”.
O dono chegou e pôs água na fervura.
Dirigindo-se ao rapaz, disse: ”Você quer ir para a cidade dos pés juntos ou
quer ficar para semente?” E continuou: ”Sabe de uma coisa? Dê-me esta sacola.
Você é muito atrevido e vai ficar a ver navios. Se ficar cheio de nove horas,
vou chamar a polícia e você vai ver o sol nascer quadrado.
O rapaz, que estava
com a orelha pegando fogo, respondeu. “Não quer receber os vinte, não é? Sua
alma, sua palma. Não vou me vender caro, nem meter os pés pelas mãos. Não
adianta remar contra a corrente. Vou sair desta espelunca antes que esta
história termine em pizza...”
Nídia costa Reis
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Eglê S Machado:
Amiga Nídia Costa Reis, esse rapaz é meu conhecido:
O ADEMAR!
Eis que o caldo engrossou para o Ademar!
Porém já que água mole em pedra dura tanto bate até que fura,
ele, teimoso igual uma mula acabou se
arranjando. A sorte que não tá nem aí para os errados lhe deu uma mãozinha. E ele conseguiu se mancar e procurar fazer da natureza
força depois de concluir que santo de
casa não faz milagre e resolveu sair de fininho rumo a outra fazenda bem distante desta, com
muita fartura de trabalho e alimento.
Como quem é do chão não quer colchão demorou para acostumar-se
com a nova vida, para depois passar a dar
duro confiando que de grão em grão a galinha enche o papo. Afoito, sempre agiu como seu pai, pois quem
sai aos seus não degenera. A velha Benta vivia afirmando: tal pai, tal filho!
Conseguiu fazer boas amizades, é belo, veste-se bem e é
admirado.
Como em terra de cego quem tem um olho é rei, ele
começou um novo tempo. Chegou à
conclusão de que águas passadas não movem moinhos, e começou a sonhar com uma
companheira para formar família. Logo estaria enfeitiçado por alguma das muitas
moças da fazenda e redondezas; o tempo inteiro observava as meninas pensando em
fazer a melhor escolha, já que macaco velho não mete a mão em cumbuca. Detesta
a solidão embora afirme que antes só do que mal acompanhado.
Nos vilarejos vizinhos sua intenção de casar-se deixou em
polvorosa as mocinhas casadoiras, e os mancebos invejosos. Dom Juan do pedaço, Jaime,
tropeiro de profissão nota a animação da Ritinha, sua fã que suspirava pela sua
pessoa e agora nem lhe olha e vive em constantes cochichos com as amigas.
Lembrando-se da sua avó que dizia cochilou, cachimbo cai tratou de ser mais
delicado com a Ritinha e no seu coração ameaçava o intruso apelidava-o de
tucano rico de pena e bico e não entendia o que sua apaixonada esperava do
forasteiro, se nem ao menos o conhecia. Enfim, pensou, cada cabeça, uma sentença
e decidiu que no final da semana falaria com os pais da menina, assumiria
compromisso de noivado, já que mais vale um pássaro na mão do que dois voando.
Sorriu prometendo que na primeira
oportunidade diria na cara do rival: quando você ia buscar os cajus, eu já
vinha com as castanhas.
O nosso Ademar que conseguiu economizar alguns reais
resolveu deixar a fazenda para montar um comércio de artigos femininos, ou um
armarinho, a fim de melhor manter contato com as moças, saber sobre suas
famílias e quem sabe encontrar sua cara metade.
Encontrou um pequeno ponto comercial na rua principal da
vila de Mutuns, que, se o dono estivesse disposto a fazer uma pequena reforma e
cobrar um aluguel justo, o alugaria até conseguir seu próprio imóvel. Qual não
foi o seu espanto ao descobrir que Lucilo, seu amigo de adolescência e
lupanares há cinco anos, era o proprietário do imóvel.
Lucilo ficou contente
por vê-lo, mas lamentou estar de viagem para
João Pessoa. Iria encontrar uma rica paraibana que estava enrabichada por ele e lhe enviara
uma passagem de avião exigindo sua presença. Como o costume do cachimbo é que
põe a boca torta Lucilo estava de malas prontas, disposto a mais uma aventura,
desta vez com uma mulher de cabelo nas ventas que lhe prometia chamego,
diversão e tripa forra todos os dias; segredou ao amigo: mulher de bigode nem o
diabo pode.
Ademar ainda tentou dissuadi-lo: rapaz, cuidado, em terra que eu não vou, feijão bota
na raiz, lá é muito seco, terra que filho chora e mãe não vê... No que o amigo, retrucou: ham, quem desdenha
quer comprar... Não se avexe não que
vaso ruim não se quebra. Cê fica com minha casa, monta seu armarinho, não me
paga nada e ainda assino documento de doação, tudo em nome dos nossos bons
tempos.
Ademar viu que teria
de gastar algum dinheiro com a reforma, mas ficou contente e concluiu que de cavalo
dado não se olha a muda.
Lucilo partiu (a bem da verdade pesaroso por deixar a
vila e os amores). Já no avião decolando deu um muxoxo e pensou: ora, vão-se os
anéis ficam os dedos...
. . . .
Casa reformada,
armarinho montado, freguesia conquistada, sem concorrente à altura, o Ademar já
planejava adquirir o terreno baldio ao lado, onde construiria uma boa casa
assim que escolhesse a mulher que se tornaria sua cara metade. Já observara e se informara de
vida pessoal, familiar e financeira da maioria das moças da vila, seu coração
ora pendia para uma, ora para outra, mas permanecia ainda pulando de galho em
galho.
. . . .
O tropeiro Jaime já montara casa, a Ritinha já estava com o
enxoval pronto, faltando alguns detalhes de acabamento. O noivo lhe pedira para
acompanha-la quando fosse comprar algo para o enxoval e sempre a levava ao
armarinho de um amigo que um dia lhe
ajudara e assim uma mão lavada lava a outra, explicava.
Na Capelinha da
Assunção corriam os proclamas, toda a Vila se engalanava para o evento.
Ademar não estranhava não ter sido convidado, pois há
poucos meses o noivo esteve no armarinho
jogando conversa fora e falou do seu casamento próximo. Quando lhe foi
oferecido crédito para alguma compra respondeu irônico palavras sem nexo sobre
buscar cajus e trazer castanhas, deu-lhe as costas por resposta e afastou-se dizendo que ri melhor quem ri
por último. Ademar não entendeu tal
reação e comentou consigo mesmo: cada doido com a sua mania...
. . . .
Ritinha, meio desanimada estava diante da sua mãe que lhe
tirava as medidas para a confecção do seu vestido de noiva. Dona Lara já
escolhera o tecido branco e junto com a filha escolhiam o modelo com cauda não
muito longa para economizar tecido, mangas compridas e decote discreto, com enfeites que deveriam
escolher em um dos armarinhos da Vila.
Como o noivo não pode tomar conhecimento de
detalhes do vestido da noiva ou vê-lo antes do dia do casamento, dona Lara
resolveu acompanhar a filha para as compras dos aviamentos e já a caminho optou
pelo armarinho do Ademar por ser o seu estoque de qualidade sabidamente
superior ao do concorrente. Ritinha lembrou à mãe que o Jaime sempre fez
questão de comprar no armarinho do amigo, mas dona Lara pensou um pouco e disse
à filha: aí é que a porca torce o rabo, quero o que há de melhor na vila
para seu vestido de noiva e várias vezes
já fiz compras no armarinho do seu Ademar que é muito educado e sempre me dá um
bom desconto. Vamos para lá, pois quem
muito dorme pouco aprende oxente!
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Três anos depois, a vila novamente em polvorosa, a Capelinha
da Assunção engalanada, proclamas já
corridos, a casa construída vizinha ao armarinho do Ademar pintada de branco com janelas verdes parecia
cenário de contos de fadas, Lucilo e a sua Paraíba mais uma bela pré-adolescente convidados especiais.
Até a Bandinha da escola foi escolhida para tocar a marcha nupcial no
casamento da Ritinha, a professora mais querida com Ademar, o maior comerciante
da Vila.
. . . .
E os amigos do Jaime até hoje não entenderam como o tropeiro
teve a coragem de picar a mula, abandonando a tropa na estrada, desistindo de
um casamento praticamente aos pés do altar.
Alguém comentou que um estradeiro muito parecido com o Jaime
foi
visto na feira livre de uma cidade distante lendo suas histórias de
Cordel. Uma boa plateia às gargalhadas
aplaudia o poeta, principalmente quando
ele repetia sem cansar que: fogo
ladeira acima, água ladeira abaixo e mulher quando quer, não tem quem
segure!...
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