Aleluia Sangrenta
Viva a aleluia! Viva a aleluia! E os
tiros espocavam fazendo a Vila acordar em sobressalto.
- Que diabo está acontecendo
dessa vez? – dizia um, saltando apavorado da cama.
- Santa Maria! Misericórdia! Que
será?- Bradavam mulheres trêmulas de medo.
- Viva a aleluiaaaaa.......!
Ao tiroteio juntava-se o
tropel dos cavalos montados por bandidos fortemente armados que atiravam
para o ar gritando: viva a aleluia!
Aos moradores de Itabuna
parecia ter chegado o dia final de cada um.
Estava terminando a semana
santa. O dia ainda não tinha clareado de todo, quando o bando de
facínoras irrompeu de surpresa na vila naquela madrugada de sábado. Tinham
vindo romper a aleluia, gritavam eles, e nada melhor do que no quartel de
polícia.
- Para o quartel! – bradou o
chefe do bando.
- Para o quartel! – gritaram
todos, entre gargalhadas e deboche e xingamentos.
Um dos bandidos já trazia
pronto um Judas com o nome do delegado de polícia escrito numa tira de papelão.
O boneco foi pendurado numa árvore em frente ao quartel, e o tiroteio foi
aberto. Um tenente e os cinco soldados que constituíam a guarnição da vila,
pegados de surpresa àquela hora da manhã, ainda responderam ao fogo, mas o
número de bandidos era maior, talvez uns dez ou doze homens. A zoada do
tiroteio, a população em pânico trancou-se em casa. Na pracinha de chão batido,
a poeira subia de sob as patas dos cavalos mal sofreados e os gritos dos
jagunços enchiam o ar. Balas sibilavam por todos os lados, e dentro das casas,
todas fechadas pelo terror, ninguém sabia o que fazer. Algumas famílias cujas
casas davam o fundo para o rio, ainda conseguiram fugir atingindo, de canoa, a
outra margem. Era o fim de Itabuna.
Cessados os tiros, três
soldados estavam feridos e dois mortos. Os bandidos, dando-se por satisfeitos,
disparando suas armas a torto e a direito, fugiram em debandada aos gritos de
“viva a aleluia!”
Esse ataque não passou de uma
brincadeira que os jagunços faziam para romper a aleluia.
Após a fuga dos atacantes,
aos poucos, o povo foi aparecendo na porta do quartel, onde o Judas balançava
no ar, suspenso de uma árvore, todo crivado de balas.
O tenente Bomfim, delegado de
polícia da vila, que no momento do tiroteio encontrava-se no quartel, conseguiu
salvar-se milagrosamente. No dia seguinte, partiu para Ilhéus, onde foi pedir
providências e garantias para a Vila.
O chefe desse grupo era um
bandido chamado Donatinho. Uma fera. Nas roças, o seu nome era pronunciado em
voz baixa. A sua fama corria por todo o sul e sudoeste da Bahia. Vindo não se
sabe de onde, vivia pelas matas da Boa Lembrança para cima, com um grupo de
malfeitores fortemente armados, invadindo roças, matando, roubando, violentando
mulheres. Quando corria a notícia de que o grupo de Donatinho fora visto em
determinado lugar, o pânico passava a imperar nas imediações. Mulher nenhuma
mais se aventurava a ir aos ribeirões tomar banho ou lavar roupas.
Do bando, fazia parte um
jagunço dos mais sanguinários da região, o Salu Grande. Tipo alto, moreno, mal
encarado, boca quase desdentada, era temido pela crueldade.
Pouco tempo depois do
massacre do quartel, Donatinho teve um encontro inesperado em caminho de Conquista, na encruzilhada, com um grupo de polícia volante vindo de Salvador
para dar-lhe caça. Atacado de surpresa, não teve muito como se defender. Morreu
na refrega. As suas munhecas foram decepadas e levadas pelos soldados como
troféu de guerra. Metade do bando foi morta; os sobreviventes lançaram-se
nas águas de um rio que corria perto, conseguindo escapar. Salu Grande,
ferido, foi aprisionado. Com ele, foi trazido para a Vila de Itabuna, amarrado,
outro bandido de fartos bigodes. Este teve uma banda da cara e do bigode
raspados por ordem do tenente da volante e foi deixado horas, na porta da
cadeia, entre dois soldados, exposto aos olhos da população.
Depois das prisões, nunca
mais se soube dos bandidos de Donatinho, apenas que cumpriam pena no Engenho da
Conceição, na Bahia. Só assim as mulheres das roças passaram a tomar o seu
banho sem medo, nas águas tranquilas dos ribeirões.
(“Terras do Sul”)
HELENA BORBOREMA
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