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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

ALELUIA SANGRENTA - Helena Borborema

Aleluia Sangrenta  

    Viva a aleluia! Viva a aleluia! E os tiros espocavam fazendo a Vila acordar em sobressalto.
      - Que diabo está acontecendo dessa vez? – dizia um, saltando apavorado da cama.
      - Santa Maria! Misericórdia! Que será?- Bradavam mulheres trêmulas de medo.
      - Viva a aleluiaaaaa.......!
      Ao tiroteio juntava-se o tropel dos cavalos montados por bandidos fortemente armados que  atiravam para o ar gritando: viva a aleluia!
      Aos moradores de Itabuna parecia ter chegado o dia final de cada um.
      Estava terminando a semana santa.  O dia ainda não tinha clareado de todo, quando o bando de facínoras irrompeu de surpresa na vila naquela madrugada de sábado. Tinham vindo romper a aleluia, gritavam eles, e nada melhor do que no quartel de polícia.
      - Para o quartel! – bradou o chefe do bando.
      - Para o quartel! – gritaram todos, entre gargalhadas e deboche e xingamentos.
      Um dos bandidos já trazia pronto um Judas com o nome do delegado de polícia escrito numa tira de papelão. O boneco foi pendurado numa árvore em frente ao quartel, e o tiroteio foi aberto. Um tenente e os cinco soldados que constituíam a guarnição da vila, pegados de surpresa àquela hora da manhã, ainda responderam ao fogo, mas o número de bandidos era maior, talvez uns dez ou doze homens. A zoada do tiroteio, a população em pânico trancou-se em casa. Na pracinha de chão batido, a poeira subia de sob as patas dos cavalos mal sofreados e os gritos dos jagunços enchiam o ar. Balas sibilavam por todos os lados, e dentro das casas, todas fechadas pelo terror, ninguém sabia o que fazer. Algumas famílias cujas casas davam o fundo para o rio, ainda conseguiram fugir atingindo, de canoa, a outra margem. Era o fim  de Itabuna.
      Cessados os tiros, três soldados estavam feridos e dois mortos. Os bandidos, dando-se por satisfeitos, disparando suas armas a torto e a direito, fugiram em debandada aos gritos de “viva a aleluia!”
      Esse ataque não passou de uma brincadeira que os jagunços faziam para romper a aleluia.
      Após a fuga dos atacantes, aos poucos, o povo foi aparecendo na porta do quartel, onde o Judas balançava no ar, suspenso de uma árvore, todo crivado de balas.
      O tenente Bomfim, delegado de polícia da vila, que no momento do tiroteio encontrava-se no quartel, conseguiu salvar-se milagrosamente. No dia seguinte, partiu para Ilhéus, onde foi pedir providências e garantias para a Vila.
      O chefe desse grupo era um bandido chamado Donatinho. Uma fera. Nas roças, o seu nome era pronunciado em voz baixa. A sua fama corria por todo o sul e sudoeste da Bahia. Vindo não se sabe de onde, vivia pelas matas da Boa Lembrança para cima, com um grupo de malfeitores fortemente armados, invadindo roças, matando, roubando, violentando mulheres. Quando corria a notícia de que o grupo de Donatinho fora visto em determinado lugar, o pânico passava a imperar nas imediações. Mulher nenhuma mais se aventurava a ir aos ribeirões tomar banho ou lavar roupas.
      Do bando, fazia parte um jagunço dos mais sanguinários da região, o Salu Grande. Tipo alto, moreno, mal encarado, boca quase desdentada, era temido pela crueldade.
      Pouco tempo depois do massacre do quartel, Donatinho teve um encontro inesperado em caminho de Conquista, na encruzilhada, com um grupo de polícia volante vindo de Salvador para dar-lhe caça. Atacado de surpresa, não teve muito como se defender. Morreu na refrega. As suas munhecas foram decepadas e levadas pelos soldados como troféu de guerra. Metade do bando foi morta; os sobreviventes lançaram-se  nas águas de um rio  que corria perto, conseguindo escapar. Salu Grande, ferido, foi aprisionado. Com ele, foi trazido para a Vila de Itabuna, amarrado, outro bandido de fartos bigodes. Este teve uma banda da cara e do bigode raspados por ordem do tenente da volante e foi deixado horas, na porta da cadeia, entre dois soldados, exposto aos olhos da população.
      Depois das prisões, nunca mais se soube dos bandidos de Donatinho, apenas que cumpriam pena no Engenho da Conceição, na Bahia. Só assim as mulheres das roças passaram a tomar o seu banho sem medo, nas águas tranquilas dos ribeirões.

(“Terras do Sul”)

HELENA BORBOREMA

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