Uma das cenas desoladoras do forte terremoto (6,2º) que atingiu o centro da Itália, em 24 de agosto último. Acima, a cidade de Pescara del Tronto.
Terremotos e Castigos Divinos
22 de novembro de 2016
Roberto de Mattei
A partir de 24 de agosto deste ano a Itália foi
sacudida por uma série de terremotos violentos que, transcorridos dois meses,
não dão sinal de diminuir. São milhares, segundo os sismólogos, com intensidade
e magnitude diversas. Até o momento eles provocaram um número limitado de
vítimas, mas sérios danos a igrejas e edifícios públicos e privados, despojando
dezenas de milhares de italianos de seus bens e de suas casas.
O terremoto de 30 de outubro, o mais grave desde o de 24 de
agosto, foi sentido em toda a Itália, de Bari a Bolzano, e teve seu símbolo no
colapso da Basílica de Núrsia [foto]. A notícia de sua
destruição correu o mundo. Construída sobre o local do nascimento de São Bento,
dela restou apenas uma frágil fachada. Todo o resto desapareceu em uma nuvem de
poeira. Muitos meios de comunicação, como a CNN americana, enfatizaram a
natureza simbólica do acontecimento, exibindo a imagem da catedral desmoronada
na página inicial de seus sites.
Em Núrsia, a Basílica antes e depois do terremoto do dia 30
de outubro
Houve um tempo em que os homens eram capazes de ler as
mensagens de Deus em todos os acontecimentos que escapavam à vontade deles,
cada um dos quais tem um significado expresso na linguagem do símbolo, que não
é uma representação convencional, mas a mais profunda expressão do ser das
coisas.
O racionalismo moderno, de Descartes a Hegel e de Marx ao
neocientificismo, quis racionalizar a natureza, substituindo a verdade do
símbolo pela interpretação puramente quantitativa da natureza. O racionalismo
está hoje em crise, mas, abeberando-se em suas fontes intelectuais, do
nominalismo ao evolucionismo, a cultura pós-moderna criou um novo sistema
simbólico que, ao contrário dos antigos sistemas, não se reporta à realidade
das coisas, mas a deforma como num jogo de espelhos. O código simbólico que se
exprime em todas as formas de comunicações pós-modernas, dos tweets aos talk-shows,
visa criar emoções e despertar sentimentos, recusando-se a compreender a razão
profunda das coisas.
A Basílica de Núrsia [foto], por exemplo, é um símbolo da
arte, da cultura e da fé, cuja destruição evoca para os meios de comunicação a
perda do patrimônio artístico da região central da Itália, mas não a imagem do
colapso da fé ou dos valores fundamentais da civilização cristã.
Por exemplo, embora o vocábulo “terremoto” seja usado na
linguagem cotidiana para indicar transtornos culturais e sociais, para a mídia
ele nunca pode significar uma intervenção divina, porque Deus só pode ser
apresentado como misericordioso, jamais como justo.
Os que falam de “castigo divino” incorrem imediatamente na
difamação da mídia, como aconteceu com o Padre Giovanni Cavalcoli [foto],
cujas recentes palavras na Rádio Maria foram definidas pelo substituto da
Secretaria de Estado, Mons. Angelo Becciu, como “declarações ofensivas aos
crentes e escandalosas aos não crentes”.
Mas, se há escândalo, é aquele causado pela tomada de
posição do prelado vaticano, que demonstra ignorar a teologia católica e o
ensinamento dos Papas, como Bento XVI, que na audiência de 18 de maio de
2011, falando sobre a oração de intercessão de Abraão por Sodoma e Gomorra, as
duas cidades bíblicas punidas por Deus pelos seus pecados, afirma:
“O Senhor estava disposto a perdoar, desejava fazê-lo, mas
as cidades estavam fechadas num mal totalizador e paralisador, sem sequer
poucos inocentes, a partir dos quais começar para transformar o mal em bem.
Pois é precisamente este o caminho da salvação, que também Abraão pedia: ser
salvos não quer dizer simplesmente evitar a punição, mas ser libertados do mal
que habita em nós. Não é o castigo que deve ser eliminado, mas o pecado, aquela
rejeição de Deus e do amor que já traz em si o castigo. O profeta Jeremias dirá
ao povo rebelde: ‘Valeu-te este castigo a tua malícia, e as tuas infidelidades
atraíram sobre ti a punição. Sabe, portanto, e vê como te foi funesto e amargo
abandonar o Senhor teu Deus’” (Jr 2, 19).”
Como esquecer que entre agosto e setembro de 2016 foram
celebradas na Itália as primeiras uniões civis? “Reconstruiremos tudo”,
disse o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi.
Mas, em 23 de julho de 2016, o mesmo Renzi apôs sua
assinatura no decreto de aplicação da Lei nº. 76/2016, ou Lei Cirinnà, que
legaliza o casamento homossexual na Itália. Esta lei é um terremoto moral,
porque abate as paredes da Lei divina e a natural. Como imaginar que essa lei
calamitosa seja privada de consequências? Aqueles que não renunciaram ao bom
senso percebem-no imediatamente. Hoje o homem se rebela contra Deus e a
natureza se rebela contra o homem. Ou melhor, o homem se rebela contra a Lei
natural, que tem o seu fundamento em Deus; e a desordem da natureza explode.
A lei Cirinnà não destrói as casas, mas a instituição da
família, produzindo uma devastação moral e social não menos grave do que aquela
material causada pelo terremoto. Quem pode negar-nos o direito de pensar que a
desordem da natureza é permitida por Deus como consequência da negação da ordem
natural praticada pelas classes dirigentes do Ocidente? E, uma vez que os
símbolos permitem diversas leituras, como culpar aqueles que veem na fachada de
uma basílica o símbolo daquilo que hoje, sob o aspecto humano, parece restar da
Igreja Católica: uma pilha de escombros? As declarações de Mons. Becciu, um dos
colaboradores mais próximos do Papa Francisco, são a expressão de um mundo
eclesiástico em ruínas que atrai sobre si outras ruínas.
Da promulgação da Exortação Amoris Laetitia às
honras prestadas a Lutero em Lund, o Papa Francisco certamente não ajudou a
restaurar a ordem neste mundo em frangalhos.
O Papa repetiu que não se deve construir muros, mas
derrubá-los. Pois bem, as paredes colapsam, mas com elas desmoronam a fé e a
moral católica, rui a civilização cristã, que em Núrsia, local de nascimento de
São Bento, tem o seu berço simbólico.
Ainda assim, se a basílica caiu, a estátua de São Bento
permaneceu de pé, no centro da praça em frente. Em torno dela reuniu-se um
grupo de monges, freiras e leigos, rezando o terço [foto ao lado]. Esta é
também uma mensagem simbólica, que nos fala da única reconstrução possível:
aquela que se faz de joelhos, rezando.
Além da oração, deve também haver ação, luta, testemunho
público da própria fé na nossa Igreja e na civilização cristã, que ressurgirão
dos escombros. Nossa Senhora o prometeu em Fátima. Mas antes do triunfo do
Coração Imaculado, a Santíssima Virgem também previu um castigo planetário para
a humanidade impenitente. Devemos ter a coragem de lembrá-lo.
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(*) Fonte: “Corrispondenza romana”, 5-11-16. Matéria
traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.
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