O Dia Nacional de Zumbi e da
Consciência Negra no Brasil reafirma o primeiro local de liberdade dos negros
nas Américas
O Dia Nacional de
Zumbi e da Consciência Negra, resultado de mais de quarenta anos de luta do
movimento negro brasileiro, comemorado no dia 20 de novembro, foi instituído
oficialmente pela lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, sancionada pela
presidenta Dilma Rousseff. A data, em sua ideia original, significa a afirmação
da história povo negro no Brasil, especialmente porque reafirma, coloca como um
marco histórico a morte de Zumbi, em 1695. Ele era então o líder do Quilombo
dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na região
Nordeste do Brasil.
Por Davi Nunes
O Quilombo dos Palmares pode ser considerado o primeiro
local, nas Américas, onde os negros da diáspora africana conseguiram a
liberdade. Foram quase cem anos de existência no período da era colonial
portuguesa no Brasil. Ele surgiu no final do século XVI e teve o seu apogeu na
segunda metade do século XVII. Todo esse tempo de resistência à ordem
escravocrata vigente, só foi possível devido à capacidade de organização: o quilombo
era todo cercado por uma alta cerca de pau-a-pique, além da imensidade de
palmeiras que o escondia, tinha três entradas protegidas por duzentos
guerreiros, possuíam armas e munições, conseguiram derrotar várias vezes às
expedições do governo colonial, que visavam estabelecer a sua destruição –
tinham uma organização politica e social sofisticada que o fez ficar conhecido
como a República dos Palmares.
Zumbi nasceu no quilombo, aproximadamente em 1655. Criança
ainda foi raptado por soldados e doado ao Padre Antônio Melo. Ele o batizou com
o nome Francisco e lhe ensinou português e latim. No ano de 1670, com apenas
quinze anos, fugiu da paróquia e voltou ao quilombo e depois da morte do líder
poderoso, Ganga-Zumba, se tornou o chefe absoluto na luta contra a sociedade
escravocrata. Ele detinha grande poder espiritual, os ancestrais africanos o
protegia, resistiu a várias expedições militares ao ponto do rei de Portugal
escreve-lhe uma carta propondo um acordo. Não aceitou ficar sob o julgo da
coroa portuguesa, queria a liberdade plena até o fim e em 20 de novembro de
1695, depois de resistir, e lutar contra várias expedições militares, ele foi
morto.
No dia da consciência negra acontecem passeatas por todo Brasil, a depender da região as pautas podem se diferenciar, porém nos últimos anos há uma em comum, o genocídio da juventude negra, impetrada por uma política de estado estruturalmente racista. O mês de novembro, principalmente depois da implantação, em 2003, da lei 10 639 que tornou obrigatório o ensino de história e cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas de ensino Fundamental e Médio, acontece muitos eventos relacionados à negritude: palestras, seminários, lançamentos de livros, as escolas organizam gincanas temáticas com os estudantes, porém o grande problema é que isso só ocorre nesse espaço de tempo, determinado oficialmente, pois durante todo o ano a história e cultura negras são negligenciadas, invisibilizadas em um país, que apesar da sua diversidade, apresenta o branco como o padrão universal.
No entanto, vendo de outra forma também, o dia 20 significa
a vitória de uma geração de intelectuais do movimento negro que disputaram a
memória histórica e ganharam. Contestaram a historiografia oficial (a versão
paternalista da princesa branca que libertou os escravizados por um simples
decreto) contada pelos descendentes dos europeus, e ergueram um herói negro
para sintetizar a trajetória de luta de mais da metade da população brasileira.
No Brasil, pelo fato da mídia de massa ser o veículo onde a elite branca transpassa as suas ideologias e exercem o controle mental sobre grande parte da população, os lideres negros, os fatos e feitos, como os de Zumbi, que ajudaram a construir o país, são propositalmente negligenciados. O racismo brasileiro trabalha sempre no silenciamento e apagamento de vozes e histórias negras. Por isso ainda boa parte da população se encontra preso aos grilhões psicológicos, mas muitos já se empoderam do conhecimento dos ancestrais, engrossam as passeatas que tomam as ruas e começam a constituir o que pode se chamar de vontade própria para se libertarem das prisões.
No Brasil, pelo fato da mídia de massa ser o veículo onde a elite branca transpassa as suas ideologias e exercem o controle mental sobre grande parte da população, os lideres negros, os fatos e feitos, como os de Zumbi, que ajudaram a construir o país, são propositalmente negligenciados. O racismo brasileiro trabalha sempre no silenciamento e apagamento de vozes e histórias negras. Por isso ainda boa parte da população se encontra preso aos grilhões psicológicos, mas muitos já se empoderam do conhecimento dos ancestrais, engrossam as passeatas que tomam as ruas e começam a constituir o que pode se chamar de vontade própria para se libertarem das prisões.
A liberdade a qual se comemora no dia 20 é a da luta
constante, àquela que se deposita a vida para se conquistar. E é por esse
propósito que as ruas ficam cheias, que as bandeiras são hasteadas, que os
tambores são tocados: a força de Zumbi se estende a cada brasileiro que busca
lutar por igualdade. A memória se reaviva sobre as batalhas vencidas pelos
antepassados e dão alento para, no presente, continuar lutando para alcançar,
de fato, a libertação.
A República dos Palmares, dentro desse contexto, é um signo
ancestral importante e simboliza para os afro-brasileiros, como poderá
simbolizar para qualquer negro da diáspora africana nas Américas, o lugar onde
se foi vencida, já nos séculos iniciais, as primeiras batalhas em busca pela
liberdade e igualdade racial no continente. Foi onde se desdobrou,
primeiramente, modelos civilizatórios africanos, ou seja, uma organização
cultural, político-social para se proteger da máquina escravagista que estava
funcionando em pleno vapor. De certa forma, em Palmares, a África se reinventou
durante quase um século livre, onde o orgulho não foi suplantado e os
guerreiros foram grandes e intrépidos. Palmares é um espirito, o fogo que arde
no peito em busca de justiça, sua memória revivida no Dia da Consciência Negra
no Brasil, celebra um grande feito e reafirma a luta pela igualdade
sociorracial, pela liberdade plena, almejada constantemente pelos negros na
África e em todo continente americano.
Davi Nunes, natural de Salvador-Bahia, é um poeta e escritor
negro Brasileiro.
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