Eleições daquele tempo
Cyro de Mattos
Os comícios aconteceram naquele ano sem as ofensas pessoais
dos oradores, que costumavam fazer uns para os seus rivais com veemência. Prosseguiram num clima de paz, no centro
comercial e bairros, até mesmo nos distritos de Mutuns e Ferradas, onde sempre
terminavam em correria, pancadaria no meio dos zumbidos de bala.
O povo cada
vez mais ficava vivamente impressionado com os programas partidários,
divulgados também pelo alto-falante na medida em que o dia das eleições ia se
aproximando. Os candidatos esgoelavam-se no palanque, alguns no ponto máximo
das promessas disparadas até choravam, uns davam a entender que podiam desmaiar
a qualquer momento no meio das palavras que soltavam radiantes da garganta
empolgada. Propagavam com firmeza a chegada de ventos mais do que justos e
generosos para soprarem, constantemente, em qualquer sociedade que se dizia
civilizada.
Quem lá
esteve, no último comício da situação, custava a acreditar como na praça coube
tanta gente. Não havia lugar para uma agulha no ambiente abarrotado de gente jovem, amadurecida e
idosa, alguns mal podiam andar apoiados na bengala. Havia muitas faixas e
bandeiras desfraldadas, cartazes grandes com o retrato do Coronel mais abastado
da cidade, sério, bigode retorcido nas pontas, trajado com o uniforme da Guarda
Nacional.
Na noite
contagiada de euforia, com uma temperatura que chegava a 40 graus, parecia ali
a cidade uma só voz barulhenta, queimando as palavras recheadas de promessa. Os
mais empolgados não cansavam de dar vivas e aplaudir os candidatos a vereador,
quando então um deles era apresentado para pronunciar o discurso pela ordem de
chamada do locutor Timóteo, com a voz já rouca, mas ainda cheia de
entusiasmo.
Naquela noite com
muita alegria, quem poderia imaginar que alguém da oposição soltaria o boi
brabo para correr no meio da multidão que se apertava na praça. Foi aí, no
ponto mais arrojado do discurso daquele homenzarrão agitado, a rigor trajado
com o uniforme da Guarda Nacional, só faltando engolir o microfone, que de
repente se ouviu irromper do meio da multidão o grito ameaçador:
– Corre que
é boi brabo!
Não se viu
outra coisa do que gente correr para todos os lados. O palanque desabou com os
candidatos locais e a comitiva visitante. Homens sisudos meteram-se debaixo dos
carros. A gritaria generalizou-se com a multidão esparramada como num estouro
de boiada.
O
locutor Timóteo relatou no outro dia pelo alto-falante do Serviço Regional de
Propaganda Comercial o noticiário dos acontecimentos daquela noite tumultuada,
que de repente se tornou num corre-corre generalizado, cheia de rostos
medonhos, de aflição com os gritos repetidos, Deus me acuda, não me empurre, me
socorre, sai da frente, se não quiser ser pisado. Felizmente não houve mortes,
apenas alguns casos de ferimentos leves. Nada disso impediu que a situação
tivesse a vitória apertada nas urnas apuradas.
Cyro de Mattos - Cyro de Mattos é
poeta e ficcionista. Possui prêmios literários importantes. Primeiro Doutor
Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Autor de mais de 50
livros de diversos gêneros