Na Onda do Carnaval
Cyro de Mattos
Onda humana que se movimenta com vibração incontida.
Elimina-se a repressão, a solidão e a tristeza. A vida sob a pulsação rotineira
dá lugar à liberdade de atitudes eróticas e críticas. O Rei Momo instaura o
reinado da alegria, decreta que as formas usuais do viver sejam substituídas
pelo mundo do sonho. O tom maior da euforia manifesta-se em ladeiras, praças e
becos, em torno do reinado da alegria o preto torna-se branco, o masculino vira
feminino, o pobre igual ao rico.
O Carnaval no Rio de Janeiro não é o
mesmo de Olinda, Recife, Salvador e outras cidades brasileiras. Conservando o
elemento comum que os une, a participação coletiva que se extravasa na maior
felicidade, o Carnaval no Rio tem na escola de samba sua marca pessoal. Na
ópera popular, a se exibir na passarela do asfalto, sobressaem passistas,
ritmistas, fantasias, carros alegóricos, samba-enredo, bateria com um grande
número de figurantes, alas de baiana e comissões de frente. Figurações diversas
que, em sua feição de cores e luxo, impressionam vivamente e deslumbram a quem
assiste. A vida dança ritmos ardentes, solta desvairadas vibrações de corpo,
cantos e prazeres numa maravilhosa ventura em torno do sonho. Em Olinda e
Recife, bonecos gigantescos arrastam multidões sob o ritmo rápido do frevo.
Passistas improvisam uma coreografia individual e frenética.
Ao fechar o
banco, o escritório, a indústria, o comércio, o Carnaval é sempre o mesmo. Com
a sua máquina de fazer alegria, inventar o êxtase e o riso varre as formas de
viver do mundo rotineiro, trazendo os ventos da utopia para empurrar a onda
humana que canta e pula na avenida. Em Salvador, com ou sem turista, dinheiro
ou sem dinheiro, vibra na tanga do índio, na mortalha suada da moça, vocifera,
trepida ao som do trio elétrico, mexe, remexe sob a nova dinâmica dos ritmos
negros, suaviza a vida quando passa numa onda mística com o bloco “Filhos de
Ghandy”. Serve de extroversão a milhares de pessoas e de fuga aos que preferem
à casa de praia ou de campo.
Na
quarta-feira de cinzas, quando o coral frenético silencia, o carnaval oferece a
muitas pessoas uma oportunidade de ganhar o sustento nessa incrível arte da
sobrevivência. Muitos nesse Brasil tropical e carnavalesco estão a postos para
limpar o lixo da euforia.
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