O Duelo
Cyro de Mattos
Tinham começado o duelo desde não sei quando. O bem achava que a vida era boa e bela, muita gente devia se interessar por ela. Nada disso, o mal dizia que a vida era ruim e feia, viver com as amargas ela sempre aprovou, o fel ao invés do mel.
O bem achava
que a vida devia pender para o sabiá, enquanto o mal não aceitava isso sob
qualquer argumento. Devia pender para o urubu, como sempre acontecia. O bem
bradava que a liberdade é o valor mais importante da vida. O mal sorria fazendo
uma careta. Assegurava que a lei do mais forte é a correta, nos hábitos e
costumes só há sobrevivente quando a regra a seguir consiste em fazer valer o
império dos abonados perante os excluídos.
O bem dizia
que o amor é o sentimento mais forte, o mal rebatia, adiantando que a maioria
vive enganada, o casal só percebe o erro quando enfrenta a dura lei da vida. O
bem retornava, dizendo que o inocente era para ser sempre absolvido, o mal
contrapunha, afirmando quem manda é o que está por cima, é o vitorioso, não
importa o crime fútil que tenha executado.
Não
encontravam um meio termo para frear as discussões acaloradas, sem fim.
Decidiram que um duelo mostraria quem estaria com a razão. No dia aprazado, o
juiz demarcou o terreno com uma corda de vinte metros, ao comprido. Cada um ocupava
agora seu lugar no extremo da corda. O bem no ponto em que o sol nascia. O mal
no ponto em que a noite abarcava o dia.
O juiz trilou
o apito. Ao mesmo tempo, atiraram um contra o outro, para saber quem tombaria
primeiro. A arma do mal cuspiu cobras e lagartos, que se bateram contra os
muros do bem e ali mesmo tombaram, sem alcance do alvo perseguido. Da arma do
bem saíram flores, que soltaram fragrâncias, perfumaram os ares e fizeram com
que o mal fugisse em desabalada carreira.
O bem continua
morando nos prados da alegria, onde vive a esperança desde que amanhece o claro
dia, a ternura tece a vida com os fios do encanto e da beleza. O mal voltou a viver nas zonas trevosas da
matéria, onde fabrica até hoje suas redes com fios grossos bem trabalhados e as
arremessa com gosto para pegar os peixes grandes e miúdos nas águas da desgraça
alheia.
Cyro de Mattos - Membro efetivo da Academia de Letras da
Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Doutor
Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz.
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