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sexta-feira, 9 de setembro de 2022

O Duelo

Cyro de Mattos



          Tinham começado o duelo desde não sei quando. O bem achava que a vida era boa e bela, muita gente devia se interessar por ela.  Nada disso, o mal dizia que a vida era ruim e feia, viver com as amargas ela sempre aprovou, o fel ao invés do mel.

          O bem achava que a vida devia pender para o sabiá, enquanto o mal não aceitava isso sob qualquer argumento. Devia pender para o urubu, como sempre acontecia. O bem bradava que a liberdade é o valor mais importante da vida. O mal sorria fazendo uma careta. Assegurava que a lei do mais forte é a correta, nos hábitos e costumes só há sobrevivente quando a regra a seguir consiste em fazer valer o império dos abonados perante os excluídos.   

          O bem dizia que o amor é o sentimento mais forte, o mal rebatia, adiantando que a maioria vive enganada, o casal só percebe o erro quando enfrenta a dura lei da vida. O bem retornava, dizendo que o inocente era para ser sempre absolvido, o mal contrapunha, afirmando quem manda é o que está por cima, é o vitorioso, não importa o crime fútil que tenha executado. 

             Não encontravam um meio termo para frear as discussões acaloradas, sem fim. Decidiram que um duelo mostraria quem estaria com a razão. No dia aprazado, o juiz demarcou o terreno com uma corda de vinte metros, ao comprido. Cada um ocupava agora seu lugar no extremo da corda. O bem no ponto em que o sol nascia. O mal no ponto em que a noite abarcava o dia.

         O juiz trilou o apito. Ao mesmo tempo, atiraram um contra o outro, para saber quem tombaria primeiro. A arma do mal cuspiu cobras e lagartos, que se bateram contra os muros do bem e ali mesmo tombaram, sem alcance do alvo perseguido. Da arma do bem saíram flores, que soltaram fragrâncias, perfumaram os ares e fizeram com que o mal fugisse em desabalada carreira.

       O bem continua morando nos prados da alegria, onde vive a esperança desde que amanhece o claro dia, a ternura tece a vida com os fios do encanto e da beleza.  O mal voltou a viver nas zonas trevosas da matéria, onde fabrica até hoje suas redes com fios grossos bem trabalhados e as arremessa com gosto para pegar os peixes grandes e miúdos nas águas da desgraça alheia.

 

Cyro de Mattos - Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz.

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