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quinta-feira, 24 de novembro de 2022

O Poeta

 Cyro de Mattos

   


    

 Tinha ido comprar remédios para a esposa.

 Encontrei com ele na farmácia.

 Deu-me tapinha no ombro.

- Bom dia poeta, ele disse.

 Senti um friozinho na barriga.

- De que você me chamou? – perguntei.

- Poeta, não gostou?

- Não é bem assim, você exagerou. 

Ele quebrou o silêncio.

- A floresta dos poetas é grande, cabem todos, inclusive o medíocre cheio de bajuladores, acrescentando: - Você cabe nela, por merecimento.

Retornei.

- Poeta foi Homero, Dante, Pessoa, Camões, Eliot, Drummond, Pablo       

 Neruda e Carlos Drummond de Andrade, todos eles geniais.

 Inconformado ele:

 - E daí? Você é dos nossos, para honra e glória da comunidade.

 Ponderei.

 - Você é generoso.

 Perguntou curioso:

 - E como é que você quer que eu diga quando falar de você?

- Inventor de ingenuidades ou leitor curioso de poetas geniais.

Dessa vez, ele não disse nada.

Pagou o remédio que comprou, saiu com a cara de quem nada

gostou do que eu disse no final.

Paguei o remédio que comprei, saí da farmácia pensativo, lá adiante monologuei.

- Meu Deus, o que sou mesmo?

Tinha aquele mesmo friozinho na barriga. 

 

Cyro de Mattos é escritor e poeta. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Publicado nos Estados Unidos, Dinamarca, Rússia, Portugal, Espanha, Itália, França e Alemanha. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa pela UESC.


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