O grande taumaturgo de Pádua –– ou de Lisboa, sua cidade
natal –– embora com uma curta existência terrena, tornou-se um dos santos mais
populares do mundo, sendo venerado tanto no Oriente quanto no Ocidente
· Plinio
Maria Solimeo |
“Alegra-te, feliz Lusitânia! Salta de júbilo, Pádua ditosa!
Pois gerastes para a Terra e para o Céu um varão que bem pode comparar-se com
um astro rutilante, já que brilhando, não só pela santidade da vida e gloriosa
fama de milagres, mas também pelo esplendor que por todas as partes derrama a
sua celestial doutrina”. Esse foi o esplêndido elogio que fez desse santo o
Papa Pio XII.(1)
“Doutor da Igreja”, “Martelo dos Hereges”, “Doutor
Evangélico”, “Arca do Testamento”, “Santo de todo o mundo” –– são alguns dos
títulos com que os Soberanos Pontífices honraram aquele cuja vida foi, no dizer
de um de seus biógrafos, um milagre contínuo.
Natural de Lisboa onde nasceu em 1191 ou 1195, filho dos
nobres Martinho de Bulhões e Teresa Taveira, o futuro santo recebeu no batismo
o nome de Fernando. De boa índole, inclinado à piedade e às coisas santas, sua
formação espiritual e intelectual foi confiada aos cônegos da Catedral de
Lisboa por seu pai, oficial no exército de D. Afonso.
Clérigo Regular de Santo Agostinho |
Acometido por forte tentação contra a pureza, Santo Antonio
traçou uma cruz com os dedos numa coluna de mármore da Sé de Lisboa, ficando
nela impressa como em cera [Foto PRC].
Segundo alguns de seus biógrafos, na adolescência Fernando
foi acometido por violenta tentação contra a pureza. Para aplacá-la, estando na
catedral, o jovem traçou uma cruz com os dedos, numa coluna de mármore, ficando
nela impressa como em cera. Avaliando nessa ocasião os perigos que corria, o
adolescente quis entrar para o mosteiro de São Vicente de Fora, dos Clérigos
Regulares de Santo Agostinho, nos arredores da capital portuguesa, quando
contava 19 anos de idade.
Ali permaneceu dois anos, findos os quais, por ser muito
procurado por parentes e amigos, pediu aos superiores que o transferissem para
o mosteiro Santa Cruz de Coimbra, casa-mãe do Instituto. Foi ordenado sacerdote
em 1220. Frei Fernando, entretanto, almejava abraçar um gênero de vida mais
perfeito e mais de acordo com suas íntimas aspirações.
Cripta da Igreja de Santo António, em Lisboa, construída no
local onde nasceu o santo. Na lápide, em latim lemos: Nascitur. Hac.
Parva. Ut. Tradunt. Antonius. Aede. Quem. Coeli. Nobis. Abstulit. Alma. Domus (“Nesta
casa, segundo a tradição, nasceu e viveu António, que foi roubado pela gloriosa
morada do Céu”). [Detalhe abaixo, Fotos PRC].
Transferência para a Ordem franciscana |
Quando chegaram a Coimbra os restos mortais dos cinco
protomártires franciscanos, que deram sua vida pela Fé no Marrocos, Frei
Fernando sentiu imenso desejo de imitá-los, vertendo também seu sangue por
Cristo.
Um dia, no verão de 1220, quando dois franciscanos foram ao
seu mosteiro pedir esmola, Frei Fernando perguntou-lhes se, passando ele para
sua Ordem, o enviariam à terra dos mouros para lá sofrer o martírio. Eles deram
resposta afirmativa. No dia seguinte, depois de obter, a duras penas,
autorização de seu Superior, mudou-se para o eremitério franciscano, onde se
tornou um filho de São Francisco de Assis.
Frei Fernando mudou então seu nome para o do onomástico do
eremitério, Antonio, que ele imortalizaria.
Conforme o combinado, Frei Antonio foi enviado no fim desse
mesmo ano à África. Entretanto não estava nos planos da Providência que ele
ilustrasse a Igreja como mártir, mas com suas pregações e santa vida. Assim,
chegando ao continente africano, foi atacado de terrível doença, que o reteve
no leito por longo período. Os superiores decidiram que, para curar-se, Frei
Antonio deveria voltar a Portugal.
Acrisolado pela Divina Providência |
A mão da Providência, no entanto, desejava-o em outro campo
de luta. O navio em que estava o convalescente, levado pela tempestade, foi
parar nas costas da Itália, onde o santo encontrou abrigo em Messina, na
Sicília. Lá soube que o seráfico São Francisco havia convocado um Capítulo em
Assis, para maio de 1221. Antonio poderia, enfim, ver o pai e fundador dos
franciscanos e contemplar sua angélica virtude.
Naquela grande assembléia o Provincial da Romênia resolveu
levá-lo consigo. Frei Antonio obteve dele licença para permanecer no eremitério
do Monte Paulo, a fim de entregar-se ao isolamento e à contemplação.
Entretanto a mão de Deus velava sobre ele, e chegou o tempo
em que aquela luz deveria brilhar para o bem do mundo inteiro.
Começa a vida apostólica como grande pregador |
Foi enviado a Forli com alguns franciscanos e dominicanos
que deveriam receber as ordens sacras. O Padre guardião do convento em que se
hospedavam pediu que algum dos presentes dissesse algo para a glória de Deus e
edificação dos demais. Um a um, foram todos escusando-se por não estarem
preparados. Restava Antonio. Sem muita convicção, o Superior mandou-lhe então
que falasse, à falta dos demais.
Era a primeira vez que Antonio falava em público, e então
viu-se a maravilha: de sua boca saíram palavras de fogo, demonstrando profundo
conhecimento teológico e das Escrituras, tudo exposto com uma lógica, clareza e
concisão que conquistou a todos.
Entusiasmado, o Guardião comunicou aquele sucesso ao Provincial, que transmitiu a notícia a São Francisco. O Poverello mandou então que Frei Antonio estudasse teologia escolástica para dedicar-se à pregação. Pouco depois, em vista de seus progressos, ordenou-lhe S. Francisco que trabalhasse na salvação das almas. Era o ano 1222, e Frei Antonio contava apenas 30 ou 31 anos de idade.
Igreja de Santo António contruída no local onde nasceu o
santo (no fundo a Sé de Lisboa) [Foto PRC].
Força irresistível de suas fogosas palavras |
Segundo seus biógrafos, “ele tinha um exterior polido,
gestos elegantes e aspecto atraente. Sua voz era forte, clara, agradável, e sua
memória feliz. A essas vantagens, juntava uma ação cheia de graça”.(2)
Entretanto, “seu traço característico, o milagre constante de sua existência, é
a força incontestável de sua pregação, o poder de sua voz sobre os
corações e as inteligências”.(3)
“Quando ele fulminava os vícios e as heresias — das quais o
mundo estava então extremamente infectado — era como uma torrente de fogo que
revira tudo, e à qual ninguém pode resistir. […] Freqüentemente, se bem que
falasse [durante o sermão] uma só língua, era entendido por pessoas de toda
espécie de países”.(4) Daí seu sucesso extraordinário, tanto na Itália quanto
na França.
Milagres como no tempo dos Apóstolos |
As multidões acorriam, e até os comerciantes fechavam suas
lojas para ir ouvi-lo; a cidade e toda a redondeza literalmente paravam. Sendo
pequenas as igrejas para tanta gente — às vezes chegavam a juntar-se até 30 mil
pessoas num só sermão — ele falava nas praças públicas. Quando terminava, “era
necessário que alguns homens valentes e robustos o levantassem e protegessem
das pessoas que vinham beijar-lhe a mão e tocar-lhe o hábito”.(5) O número de
sacerdotes que o acompanhavam era pequeno para depois ouvirem as confissões dos
que, tocados por seu sermão, queriam emendar-se de vida.
Seus sermões eram seguidos de milagres como não se viam
desde o tempo dos Apóstolos. Praticamente não havia coxo, cego ou paralítico
que, depois de receber sua bênção, não ficasse são. Numa ocasião converteu 22
ladrões, que por curiosidade foram ouvi-lo. O número de hereges por ele
convertidos não tem fim.
Milhares de peixes de vários tipos e tamanhos puseram a
cabeça fora da água para ouvir o sermão de Sto. Antonio. Azulejo na Sé de
Lisboa representa o milagre [Foto PRC].
Prega aos peixes para confundir os indiferentes |
Um dos milagres mais conhecidos de Santo Antonio foi sua
pregação aos peixes. Em Rimini, durante seu sermão, o povo se mantinha
indiferente. Abandonando seus ouvintes, foi pregar à beira-mar. Milhares de
peixes de vários tipos e tamanhos puseram a cabeça fora da água para ouvir o
santo, que tinha sido seguido pela população da cidade, testemunha do milagre.
Santo Antonio foi cognominado “Martelo dos Hereges”, porque
a heresia não teve inimigo mais formidável. Sua mais antiga biografia,
conhecida pelo nome de Assídua, relata: “Dia e noite tinha discussões com os
hereges; expunha-lhes com grande clareza o dogma católico; refutava
vitoriosamente os preceitos deles, revelando em tudo ciência admirável e força
suave de persuasão que penetrava a alma dos seus contrários”.(6)
Um heresiarca negava a Presença Real no Santíssimo
Sacramento. Para acreditar, dizia, queria um milagre. E propôs o seguinte:
deixaria sua mula sem comer durante três dias. Depois disso, oferecer-lhe-ia
feno e aveia, e Frei Antonio a Hóstia consagrada. Se a besta deixasse a comida
para ir adorar a Hóstia, ele creria, disse. Isso foi feito diante de toda a
cidade. E a mula faminta, tendo que escolher entre o alimento e o respeito à
Hóstia consagrada, foi ajoelhar-se diante desta, que o santo segurava nas mãos.
Desde a mais tenra infância Antonio fora devoto de Nossa
Senhora, e Ela várias vezes o socorreu. Um dia, por exemplo, em que o demônio
não podia mais suportar o bem que o santo fazia, agarrou-o pelo pescoço tão
violentamente, que o enforcava. Antonio mal pôde balbuciar as palavras da
antífona a Nossa Senhora, “O Gloriosa Domina”. No mesmo instante o demônio
fugiu apavorado. Recomposto, Antonio viu a seu lado a Rainha do Céu
resplandecente de glória.
“O santo morreu! O santo morreu!” |
Relíquias de Santo Antonio guardadas na Sé de Lisboa [Foto
PRC]
No ano de 1231, Frei Antonio, sentindo piorar a hidropisia
maligna que o perseguia havia tempos, percebeu que sua hora chegara e quis
morrer em Pádua, sua cidade de adoção. Quando o povo paduano ouviu dizer que
ele estava chegando, acorreu em tal quantidade, que os frades que o
acompanhavam, para livrá-lo do assédio, levaram-no para a casa do capelão das
freiras clarissas, onde ele faleceu com apenas 40 anos de idade.
Imediatamente as crianças de Pádua saíram espontaneamente
pelas ruas gritando: “O santo morreu! O santo morreu!”. Ao mesmo tempo, em
Lisboa, sua cidade natal, os sinos puseram-se a repicar por si sós, e o povo
saiu às ruas. Somente mais tarde é que souberam do ocorrido.
Tantos foram os milagres operados pelo santo em seu túmulo,
que levaram o Papa Gregório IX a canonizá-lo apenas um ano depois de sua morte.
Anualmente sua festividade é comemorada no dia 13 de junho.
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Notas:
Fonte: Revista Catolicismo, junho/2005.
1. Pio XII, Carta Apostólica de 16 de janeiro de 1946, apud
Pe. José Leite, Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, tomo II,
p. 252.
2. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, d’après le
Père Giry, Bloud et Barral, Éditeurs, Paris, 1882, tomo VI, p. 617.
3. Frei Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano,
Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo II, p. 603.
4. P. Simon Martin, Vie des Saints, Bar-le-Duc, 1859,
tomo II, pp. 946-947.
5. Pe. Pedro Ribadaneira, apud Dr. D. Eduardo Maria
Vilarrasa, La Leyenda de Oro, L. González y Compañía, Barcelona, 1896,
tomo II, p. 425.
6. Apud Pe. José Leite, S.J., op.cit., p. 251.
https://www.abim.inf.br/santo-antonio-de-padua-martelo-dos-hereges/
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