Otávio Mangabeira fora deputado federal desde 1911, chanceler no governo Washington Luís, exilado, novamente deputado, deputado constituinte, governador da Bahia, senador, participara da fundação da UDN e era membro da Academia Brasileira de Letras desde 1934. Velho, nos últimos anos de sua vida, morava no hotel Glória; se não me engano, na suíte 901, no nono andar. Recordo-me de que ele tinha os pés já bastante inflamados e andava com chinelas de plumas, muito confortáveis. Ali recebia os amigos e admiradores e os líderes dos partidos políticos, que sempre desejavam ouvi-lo.
Nós, da UDN, éramos presença constante. Não digo por mim,
que era muito jovem, mas ali estive duas vezes, em companhia do Carlos Lacerda
e do João Agripino.
No dia da revolta do Major Veloso, de Aragarças, Carlos
Lacerda, ao saber da deflagração do movimento, telefonou para João Agripino e
para mim pedindo que fôssemos ao hotel Glória, à suíte do Mangabeira, para onde
ele estava se deslocando.
Lá cheguei e já encontrei o Lacerda dizendo ao Mangabeira
que não tinha nenhum envolvimento com o fato e, pelo contrário, ouvindo alguns
ruídos sobre sua ligação com oficiais da Aeronáutica, tinha chamado o Major
Veloso, um dos mais afoitos, e dito que não praticasse nada de sedição - coisa
de que eles falavam todo dia - e que ele condenaria qualquer movimento dessa
natureza.
Mesmo assim, Veloso e alguns companheiros de farda desviaram
três aviões militares, sequestraram um Constellation e foram para a pequena
base de Aragarças. Foi o primeiro sequestro de avião do Brasil.
Lacerda insistia em reafirmar a Otávio Mangabeira e a todos
nós - foram chegando outros colegas de partido: Rondon Pacheco, Milton Campos -
sua absoluta falta de participação nesse movimento, feito com o objetivo de
derrubar o Juscelino.
Mangabeira deu sua opinião, também contrária àquilo, dizendo
que se tratava de uma loucura de jovens revoltados da Força Aérea, que ainda
não haviam superado os resultados da chamada República do Galeão, na qual eles
tinham feito o famoso inquérito sobre a morte do Major Vaz, que levara ao
suicídio de Getúlio Vargas.
Ali foi tomada a decisão de que a UDN, por todos os meios,
manifestaria sua contrariedade à chamada Revolta de Aragarças. Carlos Lacerda
comprometeu-se a discursar, à tarde, na Câmara dos Deputados, dizendo de sua -
bem como de todo o partido - condenação ao movimento e ao gesto tresloucado.
Foi um discurso difícil e notável!
Passada a agenda política, Carlos Lacerda perguntou ao
Mangabeira por que ele não se mudava para um apartamento, argumentando que
ficar ali no hotel seria bastante caro para ele, homem desprovido de posses,
sendo muito mais barato morar em sua própria casa.
Mangabeira respondeu-lhe: 'Carlos, na minha idade, não sei
mais quem paga meu hotel.'
Antônio Carlos Magalhães contava que um dia Mangabeira lhe
perguntara pelo Luiz Viana. Ele, então, disse que o Luiz Viana se encontrava na
Bahia, aonde fora para a comemoração de sessenta anos de um amigo.
Doutor Mangabeira respondeu-lhe: 'Quer dizer que Luiz Viana
foi à Bahia só para um aniversário de sessenta anos de um fulano de tal?' E
concluiu: 'É. Hoje qualquer vagabundo faz sessenta anos na Bahia!'
Otávio Mangabeira era governador da Bahia, e o jornal A
Tarde começou a atacar alguns oficiais que teriam provocado uma desordem na
zona de meretrício de Salvador. Esses oficiais invadiram e empastelaram o
jornal, pelo desrespeito que tinha tido com a oficialidade da guarnição
militar.
Simões Filho, que era uma grande figura da Bahia,
ex-ministro da Educação e fundador de A Tarde, procurou Mangabeira:
'Governador, isso não pode acontecer no seu Governo: empastelaram o jornal,
quebraram tudo e surraram uns jornalistas. Lembremo-nos de Rui Barbosa, que
dizia: 'A imprensa constitui o pulmão da democracia.' O senhor tem que tomar
providências imediatas, abrindo inquérito para punir os culpados.'
Mangabeira olhou para ele e respondeu: 'Ó Simões, Rui é o
astral; a realidade é o Exército Nacional!' E deu por encerrada a conversa.
Antônio Carlos contava isso com muita graça, imitando, como
ninguém, o falar entre as bochechas do velho Mangabeira.
Portal Metrópole Online, 09/04/2022
https://www.academia.org.br/artigos/otavio-mangabeira
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José Sarney - Sexto ocupante da Cadeira nº 38 da ABL, eleito
em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6
de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos
Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.
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