A eleição de Fernanda Montenegro para a ABL é uma vitória do Brasil que nós amamos.
A Academia Brasileira de Letras (ABL) vive, desde sexta-feira
passada, um momento novo e brilhante em sua história. Não somente na sua
história particular, como também novo e brilhante na História contemporânea do
país.
Sexta-feira, dia 25 de março, tomou posse como membro da
Academia nossa grande Fernanda Montenegro, eleita para isso no final do ano
passado.
Fernanda não representa apenas o que existe de melhor no
teatro brasileiro, uma síntese excepcional da interpretação que um ser humano
pode fazer de um outro ser humano, mas também a imagem de uma forma de pensar o
Brasil e o mundo que nasceu com a sua geração de artistas e intelectuais.
Antes, na minha juventude, dona Arlete me lembrava as melhores tradições de
nosso teatro a caminho do cinema. Hoje, ela é a lembrança de tudo que aprendi a
compreender e amar nesse país tão difícil e tantas vezes traído.
Não sei como e onde ela aprendeu esses sentimentos todos e
essa cultura tão vasta e antiga de coisas que se tornaram nossos costumes
porque seus amigos e amigas, sobretudo parceiras e parceiros, assim desejaram.
Hoje, grande parte do que sabemos de onde viemos devemos certamente a Fernanda
por tudo que ela nos mostrou nos palcos e depois nas telas de cinema.
Em 1973 fiz um filme contando as histórias de famílias de
minha terra que meu avô me contava às gargalhadas. O personagem principal vinha
da Europa e descobria comigo essa misteriosa cultura local, se atrelava de tal
maneira a ela que acabava sem fôlego no varandão da Casa Grande. Como a famosa
atriz não teve como vir dublar o filme no Brasil, foi Fernanda quem me
socorreu, emprestando ao personagem sua voz tão cheia de significados de coisas
que não eram ditas. Fernanda Montenegro tornou-se minha Joanna Francesa e sei
que devo a ela grande parte do sucesso de estima desse filme. Fernanda soprava
e sussurrava as verdades que Joanna ia descobrindo e assumia o que ela vinha
assumindo.
Mas o que faz de Fernanda Montenegro uma enorme
representante de tudo que amamos nesse país tão difícil de ser, nesse momento,
amado, não sai necessariamente de suas lembranças do passado e de costumes que
não eram seus. Sai do que ela aprendeu e agora nos ensina, confiando em que
ainda vivemos numa sociedade que, por pior que pareça, será sempre repositório
de esperanças que não se perdem. Porque a verdade não morre, mesmo que
desfaleça em aparência e nos deixe meio perturbados com isso.
A eleição de Fernanda Montenegro para a ABL é uma vitória do
Brasil que nós amamos e não queremos perder de vista. Com ela a nos chamar
nossa atenção, isso não acontecerá nunca mais. Mas, por via das dúvidas,
insistimos em contemplar dona Arlete e a farta família que formou com Claudio e
Nanda, fazendo com que recuperemos nossa confiança num futuro que ainda
podemos, se tivermos o mesmo caráter que eles, viver intensamente.
O poder exercido por em quem nunca confiamos, não pode ser
mais poderoso e definitivo que o amor e a fé que temos em nossos verdadeiros
heróis. Em mais alguns breves meses, estaremos acordando do pesadelo em que
vivemos durante esses últimos anos, graças ao acaso de eleições desprezadas e
desprezíveis. Aí poderemos novamente olhar para a frente, como sempre fizemos,
porque lá estará nossa certeza de que é para ali que o Brasil, apesar de tudo,
ruma. E lá estarão também e para sempre as mãos e um sorriso em que aprendemos
a amar e a confiar, esse sim, como um de nossos guias. As mãos e o sorriso de
Fernanda Montenegro.
O Globo, 28/03/2022
https://www.academia.org.br/artigos/volta-do-futuro
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Carlos Diegues - Décimo ocupante da Cadeira 7 da ABL, eleito
em 30 de agosto de 2018 na sucessão do Acadêmico Nelson Pereira dos Santos e
recebido pelo Acadêmico Geraldo Carneiro em 12 de abril de 2019.
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